O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), dobrou a quantidade de votos nas cidades que receberam emendas
do orçamento secreto solicitadas pelo próprio parlamentar, revela
levantamento feito pelo Metrópoles.
Os dados mostram como o
mecanismo criado pelo Congresso Nacional e usado pelo governo do
presidente Jair Bolsonaro (PL) contribuiu para que Lira, considerado o
“dono” do orçamento secreto, conquistasse a marca de deputado federal
mais votado da história de Alagoas, em uma estreita relação
emenda-popularidade. O atual presidente da Câmara teve 219,4 mil votos
nas eleições deste ano, enquanto o segundo colocado no estado, Alfredo
Gaspar (União), teve 102 mil votos. A ampla vantagem no pleito deu ainda
ao PP outras três cadeiras na Casa.
Lira destinou ao menos R$
490 milhões em emendas de relator para Alagoas. Desse total, 69
municípios do estado foram beneficiados, e 33 não foram.
Entre os
municípios que receberam verba, Lira obteve 15,2% dos votos válidos
para deputado federal. Já nas cidades que não foram agraciadas com o
dinheiro do orçamento secreto, Arthur Lira teve 6,8%. Esse levantamento
considera dados do Congresso Nacional e do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Na documentação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) e na
transparência da Casa, o presidente da Câmara detalhou as verbas
enviadas de acordo com o município, o que possibilitou o cruzamento das
informações.
“Há uma relação direta, nem um pouco republicana,
entre a dinheirama que o parlamentar movimenta de emendas de relator com
o número de votos que recebe”, explica o secretário-geral da associação
Contas Abertas, Gil Castello Branco, em conversa com o Metrópoles.
“É
evidente que um parlamentar que destinou quase meio bilhão a municípios
do seu estado tem infinitamente mais condições de ser eleito do que
outros que não foram contemplados com as emendas de relator. Pertencer à
‘patota’ que usa de forma abundante as emendas de relator passou a ser
decisivo para a reeleição. Esses parlamentares destinam recursos para as
localidades onde pretendem ter votos, sem qualquer parâmetro técnico e
sócio-econômico. Dessa forma, aprofundam as desigualdades regionais ao
invés de reduzí-las”, acrescenta o especialista.
O levantamento
mostra também um crescimento mais expressivo na votação de Lira, em
relação a 2018, nas cidades que, proporcionalmente (valor/habitante),
mais receberam emendas do orçamento secreto direcionadas pelo
parlamentar. Em síntese, isso significa que mais dinheiro resultou em
mais votos.
Nos 34 municípios para onde o presidente da Câmara
mais destinou emenda de relator, a quantidade de votos dele cresceu
57,6%. Nessas cidades, Lira teve 108,3 mil votos em 2022, ante 68,7 mil
em 2018. Por outro lado, o parlamentar aumentou em 36,2% o número de
votos nas 34 cidades que menos foram agraciadas (excluindo-se as que não
receberam recursos). Nesse caso, a votação passou de 66,7 mil (2018)
para 90,9 mil (2022).
“Os dados reforçam que as emendas de
relator têm caráter eminentemente político-eleitoral e não
necessariamente atendem ao interesse público – e, nesse sentido, são um
bom negócio para os parlamentares que as usam”, avalia Marina Atoji,
gerente de projetos da Transparência Brasil.
É o caso, por
exemplo, de Barra de São Miguel. O município, de 8,4 mil habitantes,
recebeu R$ 8,6 milhões do orçamento secreto por meio do presidente da
Câmara, o equivalente a R$ 1.016,44 por pessoa. Lira teve apenas 154
votos na cidade em 2018. Neste ano, contudo, conseguiu multiplicar a
votação em mais de 16 vezes, para 2.597 votos. Hoje a cidade é comandada
pelo pai de Arthur, o ex-deputado federal Benedito de Lira (PP).