As Casas de Terreiro são espaços de conservação da
tradição e memória do povo negro escravizado, sua preservação é
essencial para a história do povo brasileiro. Buscando fortalecimento,
respeito e visibilidade para as religiões de matriz africana, que
cultuam elementos da natureza, sendo importantes parceiros na
preservação do meio ambiente, a FPI do São Francisco visitou Pais e Mães
de Santo, no terreiro de Mãe Érica Aparecida Santos, o Ilê Axé
D´abalaxé Alayê Odé Erinlé Nófádêmírêfãn, no município de Delmiro
Gouveia (AL).
A religiosidade africana tem sua origem em
elementos da natureza, com os Orixás representando, como: Oxum, as águas
correntes doces (rios e cachoeiras); Obá, as águas revoltas; Iroko, a
árvore sagrada; Yemanjá, águas salgadas (mares); Yansã, ventos e raios.
O
encontro ocorreu por iniciativa da Equipe de Comunidades Tradicionais e
Patrimônio Cultural, a fim de promover uma escuta qualificada dessas
personalidades que representam anseios de uma comunidade que resiste à
força do preconceito para manter suas tradições, a memória de seus
ancestrais e a liberdade de culto.
Na ocasião foram muitos os
relatos de racismo religioso e como essa prática ameaça a própria
existência das casas de terreiro. Também foram relatadas dificuldades
encontradas pela comunidade para obter autorização para uso de espaços
públicos para promover eventos culturais voltados à desmistificação em
torno das práticas religiosas dos terreiros e a falta de empenho do
poder público em combater o preconceito enfrentado.
Além dos
relatos de racismo religioso, houve também destaque para os casos de
homofobia que membros das Casas de Terreiro sofrem, seja em conjunto com
a intolerância religiosa ou não.
Casos de dificuldade em
realizar rituais sagrados nas águas do rio foram mencionados também. As
pessoas que frequentam esses espaços não sabem que se trata de solo e
água sagradas para as religiões de matriz africana e desconhecem os atos
ritualísticos e sua integração com o meio ambiente.
Pela FPI
estiveram presentes ao encontro os componentes da Equipe 10, o
Ministério Público Federal (MPF), a Rede Mulheres de Comunidades
Tradicionais (RMCT), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), a Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos
Humanos (Semudh) e o Instituto do Meio Ambiente (IMA).
Pelo
Ministério Público Federal, o procurador da República Érico Gomes e o
antropólogo Ivan Farias informaram sobre a atuação da instituição na
defesa dos povos tradicionais e também das questões de gênero,
esclareceram sobre direitos que a Constituição do Brasil lhes garante e
se colocaram à disposição para contribuir naquilo que fosse possível ao
MPF.
Elis Lopes Garcia, representando a Rede Mulheres de
Comunidades Tradicionais, falou sobre políticas públicas que já existem
para as comunidades de terreiro, destacando que poucas pessoas conhecem
tais benefícios ou têm medo de assumir que professam religiões de matriz
africana e apresentou sugestões de ações que podem contribuir para o
fortalecimento e reconhecimento público dos terreiros.
Já o
historiador Maicon Marcante e a arqueóloga Rute Barbosa, pelo Iphan,
apresentaram alguns dos projetos que buscam a preservação da memória do
povo preto do Brasil e sugeriram que fossem identificados e mapeados
terreiros por todo município de Delmiro Gouveia, com o objetivo de
preservá-los. Também trataram do processo de tombamento da Coleção
Perseverança pelo Iphan, a qual é composta por objetos roubados de
terreiros na perseguição religiosa de 1912 e se constitui em um dos
principais documentos para a memória das religiões de matriz africana de
todo o Estado de Alagoas.
Pais e Mães de Santo demonstraram
muito interesse no viés educacional promovido pelo IMA para garantir que
as novas gerações compreendam a importância da conservação do meio
ambiente para a preservação dos rituais sagrados. O IMA esteve presente
representado pela gestora ambiental Mirella Cavalcanti.
Para
Tiego Gomes, afrorreligioso e membro da Comissão Geral da I Caminhada de
Combate ao Racismo Religioso em Delmiro Gouveia - AL, “esse encontro é
sem dúvidas um marco histórico, reunimos representantes de seis
terreiros e pela primeira vez o povo de santo de Delmiro Gouveia pode
expressar suas demandas de forma direta às autoridades de Estado,
colocando os desafios de ser afrorreligioso no sertão alagoano, e as
inúmeras violências e formas de resistência de nossa comunidade.
Articulações como essa demonstram a importância da FPI no trabalho de
escuta de minha Comunidade Tradicional de Terreiro, para a garantia de
direitos constitucionais e valorização de nossas tradições, junto à luta
pelo combate sistemático ao racismo e racismo religioso no alto sertão
de Alagoas, pela defesa de um Estado de direito, laico e inclusivo para
todos”.
O encontro foi considerado um sucesso pelo procurador da
República Érico Gomes que aproveitou para explicar mais sobre suas
atribuições. "É uma das missões do MPF a defesa das comunidades
tradicionais e em Alagoas temos um gabinete que se dedica a estas
demandas, que são muitas no estado, mas percebe-se que os povos de
terreiro não têm muita aproximação com a instituição e buscamos esse
encontro para que saibam que têm no MPF um aliado na defesa da liberdade
de culto e preservação das tradições e memórias ancestrais”, destacou
Érico Gomes.