Especialistas em mobilidade
urbana voltaram a criticar a Secretaria Municipal de Transporte e
Trânsito (SMTT) após o órgão anunciar o projeto de mobilidade urbana
para a parte baixa da capital alagoana, incluindo a abertura de quatro
ruas para fluxo de veículos no Corredor Vera Arruda, na Jatiúca.
Para
o arquiteto e urbanista Daniel Moura, a SMTT se mostra incompetente na
tentativa de reduzir o uso de carros nas cidades, indo na contramão do
que está sendo feito em cidades do mundo inteiro.
A SMTT
anunciou o projeto, que ainda está com consulta pública em aberto, na
manhã desta quinta-feira (23), em entrevista coletiva concedida à
imprensa e transmitida online. O órgão justificou as mudanças com a
alegação de que elas irão promover a fluidez no trânsito na parte baixa
da capital alagoana e diminuirá também o tempo de viagem para a maioria
da população, que utiliza o transporte público. “É um inconveniente
mínimo para quem mora ali que vai trazer um benefício para um grande
número de pessoas da cidade”, argumentou o superintendente da
secretaria, André Costa.
Para Moura, no entanto, a medida é
“enxugar gelo”. “As pessoas compram carros e eles oferecem mais espaço
para as pessoas comprarem mais carros. São incompetentes para buscar
soluções sustentáveis”, diz. Segundo o arquiteto, que tem especialização
em desenho urbano, o argumento de que ao melhorar para os carros vai
melhorar também para o transporte coletivo é “pura balela”.
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Moura diz ainda que a prefeitura deveria
oferecer facilidades para que as pessoas se sintam estimuladas a usar
meios de transporte diferentes do carro e aponta estratégias que
desincentivem o uso do automóvel como meio de locomoção.
“Para o
transporte coletivo, pode aumentar a quantidade de vias com faixas
exclusivas para ônibus, que reduzem o tempo no trajeto, racionalizar as
linhas (reduzindo o número de linhas sobrepostas e integrando-as),
discutir a questão tarifária, já que o transporte coletivo é garantido
como um serviço público essencial na CF88 (art. 30, V), mas é oferecido
para a população como uma mercadoria, onde só usa quem paga por ele;
para as bicicletas, ampliar a malha cicloviária, com ciclovias,
ciclofaixas, implantar serviços de compartilhamento de bicicletas, como
já existem em outras cidades, dar incentivos fiscais para empresas que
recebem bem o ciclista, com bicicletários e vestiários, por exemplo;
para pedestres e pessoas com mobilidade reduzida, oferecer calçadas
acessíveis e arborizadas, onde o caminhar seja algo prazeroso e não um
martírio”, relata.
Em entrevista ao Jornal de Alagoas, publicada em 16 de março, o
especialista havia comentado que na literatura científica atual sobre
mobilidade urbana é possível observar "que quanto mais espaço é ofertado
para os automóveis, mais as pessoas sentir-se-ão estimuladas a usar o
automóvel e aquele espaço que foi oferecido em poucos anos voltará a
estar congestionado".
Na entrevista coletiva
desta manhã, o superintendente da SMTT afirmou, sem citar nomes, que
quem já falou em literatura mundial e diz que é um retrocesso é porque
“está lendo parte da literatura. Não conhece ela toda".
"Infelizmente
discurso tem para qualquer lado, só que eu escolho os livros que dizem
respeito aquilo que eu estou defendendo, vou escolher as experiências no
mundo que eu acho que eu concordo e que eu quero que prevaleça". André
Costa, entretanto, não apresentou nenhuma referência científica que
embasasse seus apontamentos.
A engenheira de trânsito e
professora universitária, Jessica Lima, também não concorda com a
abertura das vias. Segundo ela, um estudo considerando dados de cidades
de 228 regiões metropolitanas nos EUA mostrou que o ganho de capacidade
gerado pela abertura de vias é anulado pelo aumento dos deslocamentos
por carro que se seguem, mesmo quando esse ganho de capacidade era
substancial.
“O que leva a SMTT a crer que a indução de demanda não vai acontecer em Maceió?”, questiona.
Ela
também afirmou que os dados apresentados pela SMTT com relação ao
aumento de 29% no número de passageiros no transporte coletivo dizem
respeito a um período entre 2020 e 2022, mas que, devido a pandemia,
deve-se observar também os números de anos anteriores a esse período.
Vale
destacar que, durante a entrevista coletiva, a SMTT apontou números,
baseado em estudos próprios, garantindo que as mudanças vão permitir
mais viagens das linhas de ônibus, o que por sua vez vai reduzir o
número de passageiros por viagem e também diminuir o tempo das viagens,
beneficiando 75 mil pessoas que circulam diariamente naquela região, de
acordo com o órgão.
A SMTT reforçou também que a prioridade da gestão da Prefeitura é incentivar a mobilidade ativa, incluindo a promoção de espaços destinado a pedestres e ciclistas, citando os projetos de ciclofaixas da Avenida Fernandes Lima, no Farol, da Avenida Siqueira Campos, no Trapiche, da Faixa Verde, na Orla de Ponta Verde e das ruas abertas no Vergel do Lago e Clima Bom.
De acordo com a SMTT, no novo Eixo Viário do Corredor Vera Arruda o tráfego de veículos seria liberado apenas entre 7h às 19h, com a utilização de semáforos, pistões hidráulicos, câmeras OCR que serão utilizados para a fiscalização no período em que o tráfego for proibido. A área de convívio aproximada do Corredor Vera Arruda é de 42 m². A SMTT pretende criar passagens elevadas entre os giradores para garantir o fluxo seguro de veículos. Essa intervenção ocuparia 336m², o que equivale, segundo o órgão, a 0,8% da área de convívio total do corredor.
A consulta pública sobre a abertura de ruas na Vera Arruda permanece aberta até o dia 28 de março.