O vazamento de um áudio privado nas redes sociais abriu um debate que pode – e deve ir além – da briga política mais rasteira.
O
deputado federal delegado Fábio Costa (PP) publicou no Instagram um
áudio em que o empresário, presidente do CSA e suplente de senador
Rafael Tenório (MDB), faz críticas a complexidade do sistema tributário,
especialmente, sobre o modelo de cobrança de ICMS.
Assim que
tomou conhecimento de que seu áudio havia sido vazado, Rafael foi as
redes sociais e acusou o deputado de ter cometido um crime.
“O
áudio que foi vazado recentemente por um Deputado – com o qual eu não
tenho nenhum tipo de relação, me deixou surpreso. Compartilhar áudios
privados é crime e quem o fez será responsabilizado por isso”, disse
Tenório no Instagram.
De fato é crime vazar áudios privados de
WhatsApp. E não apenas áudios, mas também imagens ou documentos. De
acordo com opiniões predominantes nos meios jurídicos, a prática é
considerada crime digital previsto em lei.
Vazar áudios de
WhatsApp e compartilhar mensagens sem autorização pode gerar penas como
pagamento de multa ou até reclusão, de um a seis meses, com base no
código penal (artigo 153), na Constituição Federal ou na Lei Geral de
Proteção de Dados Pessoais (LGPD), segundo diferentes análises (veja
abaixo).
O deputado Fábio Costa, que é delegado de carreira na
Polícia Civil de Alagoas – e deve portanto ter opinião jurídica própria
sobre o vazamento – manteve o áudio de Rafael Tenório na conta pessoal
dele no Instagram mesmo depois da reclamação e ameaça de processo feita
pelo empresário.
Aparentemente o objetivo do delegado é criticar o
governador Paulo Dantas (MDB), de quem Rafael Tenório é amigo. Para
isso, usou um áudio privado, conseguido aparentemente através de
terceiros.
“Se nem o suplente do senador Renan Calheiros, que é
um grande empresário, está aguentando a cobrança abusiva dos impostos
durante o governo Paulo Dantas, imagina os comerciantes!”, diz o
delegado.
Além dessa briga de um lado contra o outro, a questão
exige respostas mais amplas sobre o direito a privacidade e a
criminalização do vazamento de áudios, vídeos ou outros documentos.
Simplificação
O
áudio em questão foi enviado por Rafael, que é proprietário de empresas
do ramo de distribuição, para um grupo de empresários que teria
participado de reunião na Secretaria da Fazenda para tratar da
tributação de estoques existentes nas empresas por conta da mudança de
alíquota do ICMS em Alagoas a partir do dia 1o de abril deste ano. Antes
a alíquota geral era de 17%. A partir deste mês e passou a ser de 19%.
O
motivo do debate era se a diferença de 2% deveria ser paga por todas as
empresas que tem produtos de ST (substituição tributária) ou se só
pelos maiores contribuintes. Para explicar melhor; ST é um modelo em que
o ICMS é cobrado de forma antecipada. Nesse caso, o estoque das
empresas estaria tributado com a tarifa antiga e seria vendido com a
nova tarifa. A diferença de 2% na tarifa é o que a Secretaria da Fazenda
de Alagoas estaria cobrando nos estoques.
A reclamação de Rafael
não foi nem sobre a cobrança em si, mas da complexidade do sistema.
Isso porque a legislação do ICMS, em Alagoas e no Brasil, tem centenas e
centenas de artigos e às vezes um mesmo produto tem diferentes
alíquotas. Rafael gosta de citar o exemplo a margarina. O produto
aparece na cesta básica, mas desde que sejam em embalagens de 250 g ou
500 g. Quando é vendida em embalagens maiores, a margarina fica fora da
cesta básica.
Nesse caso, a alíquota de ICMS será de 7% para a
primeira e de 19% para a segunda. A existência de uma infinidade de
artigos e tratamentos diferentes para produtos iguais desestimulam os
empresários. Mas esse não é, nem de longe, um problema exclusivo de
Alagoas. O modelo e a base legal é praticamente o mesmo em todos os
Estados.
O que Rafael defende é a “simplificação”, ou seja, no caso da margarina a alíquota seria a mesma, independente da embalagem.
Para
“sorte” dele tanto o governador Paulo Dantas (MDB) quanto a secretária
de Fazenda de Alagoas, Renata Santos também defendem a simplificação,
embora não seja “tão simples” simplificar uma legislação que é de 1994 e
tem centenas e centenas de emendas e aditivos, com mudanças provocadas
tanto nacionalmente quanto localmente.
Deixando a pendenga de
ICMS de lado, Tenório reafirma a parceria com o governador Paulo Dantas e
se coloca a disposição para trabalhar: “Por fim, quero dizer que tenho
um diálogo muito aberto com o Governo do Estado e seguirei contribuindo
com a minha experiência para manter Alagoas no topo da cadeia produtiva
gerando emprego e renda.”
Só reclamar não resolve
O
que faltou ao deputado, como falta a maioria dos políticos, é apontar
um caminho, buscar efetivamente uma solução para o problema que aflige
não só Rafael Tenório, que é “grande”, mas também todos os outros
empresários.
A complexidade do modelo de cobrança do ICMS é
antiga e é um problema nacional, o que abre uma boa oportunidade para
Fábio Costa. Como deputado federal ele pode continuar criticando o
governador Paulo Dantas, que é seu adversário, mas também pode tomar a
iniciativa de apresentar projetos de lei e trabalhar por sua aprovação
no Congresso Nacional.
O problema, no entanto, é bom que se
esclareça é bem maior. Não é só ICMS. A cobrança de tributos federais e
municipais e de dezenas e dezenas de taxas atormentam não só
empresários, mas todos os cidadãos.
Fique por dentro
Ouça aqui o áudio vazado pelo deputado:
Veja aqui o vídeo com a resposta de Rafael Tenório:
Saiba mais: Vazar mensagens (e áudios) de WhatsApp é crime?