O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou, nesta
segunda-feira (20), o segundo pacote do governo pela igualdade racial. O
conjunto de 13 ações estruturantes inclui titulações de territórios
quilombolas, programas nacionais, bolsas de intercâmbio, acordos de
cooperação, grupos de trabalho interministeriais e outras iniciativas
que visam garantir ou ampliar o direito à vida, à inclusão, à memória, à
terra e à reparação.
Neste 20 de novembro é celebrado o Dia da
Consciência Negra. Em seu discurso, Lula afirmou que as medidas
anunciadas são o pagamento de uma “dívida histórica que a supremacia
branca construiu nesse país desde que ele foi descoberto”. O presidente
também homenageou a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado da deputada
Benedita da Silva, participa da celebração do Dia da Consciência Negra -
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
“Eu acho que um jeito
de homenagear o dia de hoje é colocar uma pessoa que eu tenho um
profundo amor, respeito, carinho, uma figura que nasceu na política
junto comigo, ajudou a construir esse partido, já foi vítima de dezena
de maldades pregadas por esse país, uma mulher que eu conheci na favela,
onde morou muito tempo, criou seus filhos, seus netos, uma mulher que
ainda hoje continua intacta, mais bela do que quando tinha 40 anos de
idade”, disse, destacando que a população negra é responsável pela
construção e pela identidade nacional do Brasil.
A ministra da
Igualdade Racial, Aniele Franco, destacou que um país que enfrenta o
racismo e promove a igualdade racial é um país mais desenvolvido, mais
justo e democrático.
“Reconhecer e contar a nossa história é um
dos pilares da consciência negra. Foi ocupando as ruas e os espaços de
poder que os movimentos deram passos necessários para que chegássemos
até aqui. Essas sementes foram plantadas para garantir a
responsabilidade do Estado da promoção de direitos para as pessoas
negras, que somam 56% da população”, disse. “Enfrentar o racismo é
combater as raízes das desigualdades e da exclusão social”, acrescentou,
elencando as ações do governo.
O primeiro pacote pela igualdade
racial foi apresentado em março, com a titulação de terras, a reserva de
vagas para pessoas negras na administração pública, medidas para a
redução da letalidade da juventude negra e a criação de grupos
interministeriais para elaboração de ações.
Em setembro, em
discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), o presidente Lula
também anunciou a adoção voluntária de um 18º objetivo de
desenvolvimento sustentável (ODS) para alcançar a igualdade racial na
sociedade brasileira. A Agenda 2030 da ONU possui 17 ODS, e, segundo o
presidente, pode se tornar o maior fracasso da entidade.
Titulação de terras
Cinco
terras quilombolas foram tituladas hoje, sendo duas delas federais:
comunidade da Ilha de São Vicente, que fica em Araguatins (TO) e conta
com 55 famílias, e Lagoa dos Campinhos, de Amparo de São Francisco e
Telha (SE), com 89 famílias. Os títulos foram entregues pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O Instituto de
Terras do Maranhão também entregou três títulos de terra, para a
Associação dos Moradores do Povoado Malhada dos Pretos, que conta com 45
famílias, e a Associação dos Moradores do Povoado Santa Cruz, com 50
famílias, ambas de Peri Mirim; e para a Associação da Comunidade Negra
de Trabalhadores Rurais Quilombolas de Deus Bem Sabe, do município de
Serrano do Maranhão, que tem 80 famílias.
O governo avalia que as
medidas contribuem para a valorização e o reconhecimento da cultura
quilombola, dos seus modos de vida, dos bens materiais e imateriais,
além de resultarem em ganhos para a conservação da biodiversidade e para
a estabilidade climática.

Governo anuncia medidas de reconhecimento da cultura quilombola - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Segundo
o Ministério da Igualdade Racial, a insegurança territorial é a
principal causa dos conflitos vividos hoje pela população quilombola e
está na raiz dos altos índices de violência e precariedade social de
muitas comunidades. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) revelou que apenas 5% da população quilombola vive
hoje em territórios titulados no Brasil.
Nesse sentido, a pasta
tem atuado em conjunto com o Incra para que todos os processos de
titulação em andamento sigam adiante. A meta é que mais de 1,8 mil
processos avancem.
Política nacional
O
presidente Lula assinou hoje o decreto que institui a Política Nacional
de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ), que pretende
contribuir para o desenvolvimento sustentável dos territórios
quilombolas, aliando conservação ambiental, efetivação de direitos
sociais e geração de renda.
Com uma previsão orçamentária de mais
de R$ 20 milhões, a política deve beneficiar as 3.669 comunidades
quilombolas certificadas pelo poder público.
Alguns governos
estaduais já anunciaram que vão aderir à política, como Bahia, Maranhão,
Piauí e Tocantins. Juntos, esses estados têm 1.875 comunidades
certificadas, que representa 51% das comunidades quilombolas
certificadas do país.
Outras ações
Também
foi instituído o Programa Nacional de Ações Afirmativas que busca
formular, promover, articular e monitorar políticas voltadas para
mulheres e pessoas negras, quilombolas, indígenas, ciganas ou com
deficiência, com investimento de R$ 9 milhões.
Foi criado ainda o
Grupo de Trabalho Interministerial de Comunicação Antirracista,
responsável por criar políticas para uma comunicação mais inclusiva e
respeitosa dentro da administração pública. Além de elaborar o Plano
Nacional de Comunicação Antirracista, caberá ao grupo propor estratégias
de fortalecimento de mídias negras, de promoção da diversidade racial
em publicidades e patrocínios do Estado, de diálogo com a sociedade e
veículos de comunicação, de formação para porta-vozes, servidores e
prestadores de serviço.
Um acordo de cooperação técnica assinado
entre os ministérios da Igualdade Racial e do Desenvolvimento Social
reafirmou o compromisso do governo com a construção de uma agenda de
combate à fome, à insegurança alimentar e à pobreza, a partir da
qualificação de serviços e equipamentos da assistência social. A medida
integra o Plano Brasil Sem Fome, que busca promover a equidade de raça e
gênero por meio da inclusão socioeconômica e da promoção da segurança
alimentar e nutricional.
Primeira Infância Antirracista é o tema
do memorando de entendimento que oficializa a intenção do Ministério da
Igualdade Racial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
em trabalharem juntos para combater o racismo e atenuar seus impactos na
infância de crianças negras, quilombolas e indígenas. As estratégias, a
serem criadas e implementadas em cooperação mútua, serão voltadas para a
capacitação de profissionais da saúde, da assistência social e da
educação, para a realização de seminários e eventos, para a produção de
pesquisas, assim como para a disseminação de materiais relacionados a
práticas antirracistas nos serviços de atendimento às gestantes,
crianças negras e indígenas.
O governo federal destinará R$ 8
milhões na qualificação do atendimento psicossocial para mães e
familiares de vítimas de violência, com a elaboração de protocolo para o
fluxo de atendimento e definição de diretrizes para supervisionar a
rede socioassistencial. O projeto-piloto ocorrerá na Bahia e no Rio de
Janeiro, com apoio de cinco universidades federais: da Bahia,
Fluminense, de São Paulo, do Ceará e do Rio de Janeiro.
O segundo
pacote de ações pela Igualdade Racial também inclui projeto, executado
pelo Instituto Federal do Maranhão, que visa impactar positivamente as
comunidades quilombolas de Alcântara (MA), que desde a década de 1980
são expostas a situações de extrema pobreza e violação de direitos.
Estão previstos investimentos de R$ 5 milhões em cursos de capacitação
com ênfase em tecnologias sociais para garantia de alimentação e geração
de renda, ações de transferência de tecnologia e, ainda, instalação de
usinas fotovoltaicas.
O presidente Lula também assinou decreto de
reconhecimento do hip hop como referência cultural brasileira,
estabelecendo as diretrizes nacionais de valorização da cultura hip hop.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina decreto de reconhecimento
do hip hop como referência cultural brasileira - Fabio
Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
O governo anunciou um
investimento de R$ 4,4 milhões em uma chamada pública de incentivo à
produção cultural, economia de axé e agroecologia. A ação é voltada para
povos e comunidades tradicionais, quilombolas e ciganos. Serão
financiados os projetos que se propuserem a valorizar a cultura desses
povos e a produzir representações distintas do que está hegemonicamente
estabelecido no imaginário social brasileiro.
A chamada pretende
ainda fomentar a agroecologia, reafirmando práticas sustentáveis de
desenvolvimento nos territórios, sem perder de vista a preservação da
biodiversidade e dos saberes tradicionais. Além disso, serão
contempladas iniciativas voltadas à economia criativa, por meio da
geração de renda a partir da cultura de axé, uma forma de valorização da
identidade negra e da ancestralidade.
Um acordo de cooperação
técnica foi assinado entre o Ministério da Igualdade Racial e o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a
implementação de projetos culturais e ações em prol da preservação e
valorização da herança africana, como o fortalecimento das instituições
culturais na região da Pequena África e do sítio arqueológico Cais do
Valongo, no Rio de Janeiro.
Principal porto de entrada de
africanos escravizados no Brasil e nas Américas, o Cais do Valongo é
Patrimônio Mundial da Unesco. Estima-se que de 1 milhão de africanos
tenham desembarcado ali. Próximo a ele também estão o Jardim Suspenso do
Valongo, o Largo do Depósito, a Pedra do Sal, o Centro Cultural José
Bonifácio e o Cemitério dos Pretos Novos. As obras de valorização do
Cais do Valongo foram concluídas e o sítio arqueológico será entregue para a comunidade na quarta-feira (23).
Educação e pesquisa
O
governo também lançou o Caminhos Amefricanos, um programa de
intercâmbios que visa promover o diálogo, a pesquisa, a produção
científica, a educação antirracista, as trocas culturais e a cooperação
entre Brasil e países da África, América Latina e Caribe. O programa se
destina a pessoas pretas, pardas e quilombolas da rede pública de
ensino, que estejam regularmente matriculadas em cursos de licenciatura
ou sejam docentes da educação básica do Brasil, e a estudantes e
docentes de grupos sociais historicamente vulnerabilizados nos países
parceiros.
Com um investimento de R$ 4,5 milhões por ano, e R$
22,5 milhões no total, o Caminhos Amefricanos pretende alcançar 15
países ao longo dos próximos cinco anos. A cada edição, 50 bolsistas do
Brasil e dez bolsistas do país parceiro serão beneficiados por
intercâmbios de 15 dias. Os primeiros países a receberem o programa
serão Moçambique, Colômbia e Cabo Verde. O edital de seleção para a
primeira edição, que conectará São Luís e Maputo, capital de Moçambique,
será lançado amanhã (21). Todas as pessoas beneficiadas terão direito a
auxílio de R$ 24,7 mil para custear deslocamento, diárias,
seguro-saúde, solicitação de visto e emissão de passaporte.
O segundo pacote de ações pela igualdade racial inclui ainda investimentos em pesquisa, monitoramento e avaliação de dados.
Uma
parceria com o IBGE vai viabilizar um bloco sobre ações afirmativas e
gestão dos municípios dentro do âmbito racial em uma das maiores
pesquisas do país (a Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Munic, e
a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, Estadic). Com isso, será
possível a coleta de mais dados sobre ciganos, quilombolas, povos de
terreiro e uma análise mais assertiva sobre como as políticas públicas
têm sido implementadas.
Já o monitoramento em parceria com o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) permitirá mapear
nacionalmente temas pouco debatidos, mas relevantes para embasar
políticas, como a assistência de cuidado a pessoas idosas negras ou
acidentes de trabalho para pessoas negras.
Outra iniciativa,
junto ao Instituto Federal de Brasília, fomentará a construção do
Observatório de Políticas Públicas em Igualdade Racial e o
fortalecimento dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, que
resultará em conscientização sobre os povos de terreiro, oportunidades
para jovens participarem de projetos de igualdade racial e criação de
novas políticas voltadas para essa pauta.
