Organizações indígenas iniciaram uma campanha para
boicotar os produtos da marca Engenho do Queijo, da família de Arthur
Lira (PP). A Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib) e a
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais
e Espírito Santo (Apoinme) são responsáveis por assinar o boicote.
Os
clãs Lira e Pereira, lados paterno e materno da família do presidente
da Câmara dos Deputados, são donos de 20 mil hectares e de negócios
rurais em Alagoas e Pernambuco. O boicote se dá porque boa parte do
leite usado na produção dos derivados do Engenho do Queijo, situado no
município de Junqueiro, é proveniente de fazendas da família que estão
sobrepostas à Terra Indígena do povo Kariri-Xocó, no agreste alagoano.
Em abril deste ano, o presidente Lula (PT) homologou, por decreto, a
ampliação da área da Terra Indígena da etnia, dos atuais 600 hectares
para mais de 4 mil hectares, na fronteira com Sergipe, região do Rio São
Francisco. O caminho para a demarcação ainda será longo e marcado por
disputas com fazendeiros.
As informações da campanha indígena
baseiam-se em extenso material investigativo produzido pelo De Olho nos
Ruralistas – Observatório do Agronegócio no Brasil, no dossiê “Arthur, o
Fazendeiro”, que revelou a extensão do império agropecuário dos clãs
Lira e Pereira, donos de 115 fazendas nos dois estados nordestinos. Um
dos destaques da publicação é a luta do povo Kariri-Xocó, incluindo o
episódio de destruição de matas ancestrais na Terra Indígena em 2016.
Como
têm mostrado a Apib e a Apoinme, com base na apuração do De Olho nos
Ruralistas, o invasor Adelmo Pereira, tio de Arthur Lira, foi um dos
principais protagonistas desse conflito, que já dura três décadas e
continua após sua morte. Ao lado do irmão João José Pereira, conhecido
como “Prefeitão”, Adelmo tentou suspender o processo demarcatório da TI
Kariri-Xocó em duas oportunidades, em 2002 e 2007.

Entre esses herdeiros, está também o prefeito do município de
Craíbas, a 60 quilômetros de Junqueiro, o primogênito Teófilo José
Barroso Pereira, que teve suas contas de campanha rejeitadas pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na última eleição.
Caso haja a
derrubada do veto ao Marco Temporal no Congresso, cuja votação está
marcada para esta quinta-feira, 14 de dezembro, as famílias de Arthur
Lira estariam amparadas legalmente para dizer que as áreas de produção
não pertencem aos Kariri-Xocó. O parlamentar é um dos maiores defensores
da tese jurídica que ameaça populações originárias ao defender que os
povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou
já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da
Constituição Federal.
Em entrevista à Marco Zero, o advogado e
coordenador-executivo da Apib e Apoinme, Dinaman Tuxá, lembra que há um
“problema sistêmico” no Nordeste e, em Alagoas, há fatores ainda mais
específicos, uma vez que importantes agentes políticos do cenário
nacional são daquele estado. É o caso de Arthur Lira e também de Renan
Calheiros. “São mentores e atores que tentam a todo custo articular a
paralisação ou a não demarcação dos territórios dos povos indígenas do
estado de Alagoas”, diz o baiano Dinaman.
Apesar do avanço do ato
do presidente Lula este ano com o reestudo da área Kariri-Xocó, Dinaman
avalia que “isso por si só ainda não garante a posse plena da
comunidade sobre o seu território”. “Ainda é preciso uma série de atos
administrativos, principalmente de desintrusão e delimitação para que se
conclua de fato o processo demarcatório”, explica.
