Seguros agrícolas, saúde e acidentes do trabalho. São apenas nessas áreas que a legislação brasileira autoriza a participação de seguradoras cooperativas. Além disso, a empresa precisa ser uma sociedade anônima (S.A.).
“A gente enxerga que o cooperativismo pode entrar no mercado de seguros para democratizar o acesso da população brasileira a seguros, como fez há tempos no crédito”, avalia Clara Maffia, gerente de Relações Institucionais da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
A restrição prejudica o
desenvolvimento do mercado de seguros, pois seguradoras cooperativas
poderiam ajudar a expandir o acesso a seguros, suprindo demandas não
atendidas por associações seguradoras tradicionais. Estas organizações
podem, por exemplo, não ofertar ou restringir produtos a determinada
localidade, bem ou perfil de segurado.
Em geral, há prática de
cobrança mais elevada em prêmios de produtos para motoristas
profissionais e carros com mais de dez anos de uso, o que resulta em
parcela dos brasileiros desprotegida ou que recorrem a associações sem
autorização para operar seguros (como as que oferecem proteção
veicular). Esse tipo de situação inclusive motivou a proposição de nova
legislação sobre o tema.A OCB negocia com o Governo a redação de
legislação favorável à atuação de cooperativas no mercado de seguros. O
Projeto de Lei Complementar 101/23 propõe ampliar a participação das
cooperativas no mercado segurador, e tramita apensado ao PLP 519/18, que
também trata sobre mercado de seguros. Os textos, em análise na Câmara
dos Deputados, alteram a Lei do Seguro Privado.Clara Maffia explica que a
OCB realizou analise técnica do texto do Projeto de Lei, indicando os
pontos de preocupação da entidade. A luta é para que a legislação
permita atuação de cooperativas de seguro sem restrições, e que o texto
faça referência direta à Lei 5.764/71 (que rege as sociedades
cooperativas), para que todas as especificidades do modelo cooperativo
sejam consideradas. Apesar do foco estar na legislação, a OCB segue
também atenta ao passo seguinte, a regulação, que vai ser complexa,
prevê Clara.
AS COOPERATIVAS PODERIAM SUPRIR DEMANDAS DOS
CONSUMIDORES NÃO ATENDIDAS PELAS COMPANHIAS SEGURADORAS E CONTRIBUIR
PARA EXPANDIR A CAPILARIDADE E O DESENVOLVIMENTO DO MERCADO REGULADO DE
SEGUROS PRIVADOS
“A aprovação desta proposta não beneficia
somente as cooperativas, mas também a sociedade como um todo, pois
possibilita uma oferta mais diversificada de seguros”, diz Helton
Freitas, presidente da Seguros Unimed.
CONFERÊNCIA DISCUTIU OPORTUNIDADES E DESAFIOS DAS COOPERATIVAS DE SEGUROS
Em
novembro, Belo Horizonte recebeu a 28ª Conferência ICMIF Américas, com o
tema “Preenchendo as lacunas de proteção”. Membros da instituição
discutiram temas como prevenção e mitigação de riscos, sustentabilidade,
inclusão, diversidade, tecnologias, inovação de produtos e eficiência
de custos para expandir proteção securitária à população. Além de tratar
sobre cooperativas de seguro saúde e da regulamentação brasileira.

HeltonFreitas, presidente da Seguros Unimed
Essa é primeira vez
que a Conferência é realizada no Brasil, e contou com a participação de
200 representantes de 12 países. A anfitriã do evento foi a Seguros
Unimed, com apoio do Sistema OCB. Para Helton Freitas, “foi uma
oportunidade única de demonstrar capacidade de inovação, compartilhar
boas práticas de seguradoras cooperativas e aprender com cases de
sucesso”.
Ele cita exemplo vindo da Europa, onde cooperativas de
seguros apostam em abordagem inovadora em tecnologia e distribuição de
seguros, adotando modelos de negócios centrados em plataformas digitais,
facilitando o acesso de maneira mais eficiente e conveniente; há
colaboração entre cooperativas de diferentes setores, como seguros,
bancos e serviços financeiros, que possibilitam o compartilhamento de
recursos e conhecimento; e a ênfase na educação e capacitação também é
essencial para garantir o conhecimento necessário à gestão e governança.
Com
visão otimista, Freitas enxerga oportunidades promissoras para o setor
cooperativo. “A inovação tecnológica pode impulsionar a eficiência
operacional e a oferta de serviços personalizados, enquanto a
concentração em nichos de mercado não atendidos pode criar vantagens
competitivas. Parcerias estratégicas e colaborações podem proporcionar
acesso a novos mercados e recursos compartilhados”, projeta.
A
APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI TRARIA AUMENTO DA CONCORRÊNCIA NO MERCADO DE
SEGUROS, PREÇOS MAIS COMPETITIVOS, DIVERSIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS
DISPONÍVEIS AOS CLIENTES
O encontro ter acontecido nesse momento
de discussão da mudança legal da atuação de cooperativas no ramo de
seguros simboliza a relevância do setor cooperativo para o país, no
entendimento de Clara Maffia. “O evento foi técnico, com discussões
concretas, que acontecem na vida de quem já está operando com seguro
cooperativo há muitos anos, abordando liderança, participação feminina,
questões financeiras, indicadores e cases do que tem dado certo, e
tivemos espaço específico para falar da discussão da legislação
brasileira”.
NO MUNDO, TRÊS EM CADA DEZ EMPRESAS DO MERCADO DE SEGUROS SÃO COOPERATIVAS
As
cooperativas representam 30% do mercado de seguros mundial, segundo
dados da Federação Internacional de Cooperativas e Seguros Mútuos
(ICMIF). Na França, por exemplo, 53% dos seguros contratados são de
cooperativas, na Holanda, 59%; a Argentina, líder na América Latina,
opera 20%. “O Brasil está muito atrás de outros países. Nossa
expectativa é de um novo setor se abrir, no qual o cooperativismo pode
fazer a diferença”, anseia Clara Maffia.
O mercado brasileiro
tem mesmo largo caminho a percorrer. Mais de 80% da frota brasileira de
veículos não têm seguro; na agricultura, somente cerca de 10% da área
cultivada é segurada; e apenas 13% da população economicamente ativa
hoje no país conta com produtos de previdência complementar.
Segundo
relatório da Superintendência de Seguros Privados (Susep), o setor de
seguros alcança participação de 4% no Produto Interno Bruto (PIB), mas
vem registrando crescimento a cada ano. A entidade registrava próximo de
130 sociedades seguradoras em atividade até 2022.
As
experiências internacionais auxiliam na demonstração de que o
cooperativismo pode operar de maneira abrangente em seguros. “As pessoas
nem sempre conhecem o cooperativismo, às vezes têm uma visão de que é
algo mais frágil do que é, e os exemplos bem-sucedidos de Argentina,
França e tantos outros demonstra a robustez do sistema cooperativo de
seguros”, comenta a executiva da OCB.
Quatro ramos têm
demonstrado maior interesse na possível ampliação da atuação cooperativa
em seguros: crédito, agro, transporte e saúde. Algumas cooperativas já
operam seguros, devido a demanda dos cooperados. A Seguros Unimed,
seguradora S.A. do Sistema Unimed é exemplo. Mas, outras cooperativas
como Sicoob, Sicredi, Cresol, Coopercitrus abriram corretoras para
oferecer produtos de proteção aos cooperados, e trabalham em parceria
com sociedades seguradoras tradicionais.

“Há um volume grande de pessoas que não são do interesse das
seguradoras tradicionais, e podemos resolver essa demanda via
cooperativismo, que tem potencial para complementar o mercado de seguros
e promover inclusão securitária” – Clara Maffia, gerente de Relações
Institucionais da OCB
Cooperativas de seguros podem atender demandas pouco exploradas pelo mercado de seguros em:
Microsseguros
e comunidades de baixa renda: o acesso a serviços de seguro é limitado
devido a custos elevados ou falta de produtos adaptados às suas
necessidades
Seguros rurais e agrícolas: produtos nem sempre são adequados às atividades agro à mitigação de riscos
Seguros
customizados para grupos específicos: profissionais autônomos,
freelancers e cooperativas de trabalho, por exemplo, podem se beneficiar
de produtos de seguros adaptados às suas necessidades e situações
peculiares
Inovação tecnológica e seguros digitais: permite soluções
de seguros mais acessíveis, eficientes e convenientes por meio de
plataformas digitais e aplicativos móveis
Seguros colaborativos entre
membros: a colaboração entre os próprios membros pode reduzir custos,
aumentar a transparência e fortalecer o senso de comunidade entre os
segurados
CORRETORAS COOPERATIVAS OBJETIVAM FACILITAR ACESSO A SEGUROS

CássioMovio, gerente da Corretora de Seguros Coopercitrus
Enquanto
perdura limitações à atuação do cooperativismo no mercado de seguros,
algumas cooperativas criam corretoras para oferecer produtos
securitários a associados, a partir de parcerias com empresas
seguradoras, a exemplo da Coopercitrus Corretora de Seguros, que tem
negociado principalmente seguros de máquinas e equipamentos e soluções
em seguros agrícolas.
“Buscamos no mercado seguradoras que
ofereçam as melhores condições de preço, atendimento, serviços de
pós-venda”, diz Cássio Movio, gerente da Corretora de Seguros
Coopercitrus. Mas, em seguro agrícola, não tem sido tarefa simples
ampliar a cobertura. Apesar das seguradoras inovarem em produtos, há
setores e grupos de clientes com dificuldade em contratar produtos
adequados a suas necessidades.
A estratégia adotada pela
cooperativa é convidar seguradoras para conhecerem a realidade da região
e ouvir as demandas do produtor. “Em seguro agrícola, vemos que elas
não vêm a campo para desenvolver produtos, a Coopercitrus tem trabalhado
para desenhar junto com elas produtos específicos que realmente atendam
o produtor rural em sua necessidade”, explica Movio.
A corretora
trabalha na criação conjunta de produto voltado a seguro de café e
outro a soja plantada em área de canavial. “Hoje nenhuma seguradora faz
seguro para soja em área de pós-cana. Chamamos algumas delas para vir
conhecer o projeto e mostrar que é viável a gente ter um seguro para
essas áreas”, defende. Com dois anos de mercado, a Corretora
Coopercitrus projeta crescimento. Hoje, atende próximo de cinco por
cento da base de cooperados; a meta é, nos próximos anos, alcançar 65%.

Anderson Nicola Smerdel, gerente de Seguros da Cresol
Outro
exemplo é a Cresol Seguros, corretora do Sistema Cresol, que trouxe aos
cooperados facilidade nas contratações digitais e abrangência de novos
seguros para a rede de cooperados, afirma Anderson Nicola Smerdel,
gerente de Seguros da Cresol.
Smerdel entende que o momento é
oportuno para “sensibilizar o cooperado sobre a importância de proteger
os seus principais bens: sua vida e seu patrimônio”. A Cresol tem
expertise e está preparada para atender todas as demandas dos
cooperados, garante.
Antes de firmar parceria com alguma
companhia seguradora, a corretora avalia alinhamento de valores e
propósitos. “Trabalhamos para que se reverta ao cooperado o melhor
atendimento e o melhor produto”, afirma, assegurando assim patrimônio,
vida, e possibilitando a manutenção da segurança financeira do
cooperado.