Real completa 30 anos com desafio de manter poder de compra - Foto: Reprodução
Prestes a sair da feira do Largo do
Machado, na zona sul do Rio de Janeiro, a servidora pública Renata
Moreira, 47 anos, sente toda semana o desafio da manutenção do poder de
compra do real, que completa 30 anos nesta segunda-feira (1º). Cada vez
mais a mesma quantia compra menos. “Com R$ 100, eu saía com pelo menos
seis ou sete sacolas do mercado. Hoje em dia, sai com apenas uma. Fui ao
hortifruti anteontem e gastei R$ 70. E nem comprei tanta coisa”,
constata.
A redução do carrinho de compras é sintoma da inflação
acumulada nos últimos anos. De julho de 1994, mês da criação do real, a
maio de 2024, a inflação oficial pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) acumula 708,01%, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que R$ 1 na criação do
real valem R$ 8,08 atualmente. Ou que é preciso gastar R$ 100 hoje para
comprar o mesmo que R$ 12,38 compravam há três décadas.
Frequentadora
da mesma feira no Largo do Machado, a aposentada Marina de Souza, 80
anos, também experimenta a redução gradual do poder de compra. “Cada dia
a gente vê que eles estão assim, aumentando os preços aos poucos. Todo
mês, vêm R$ 2 a mais. Aí vai somando para você ver, né? E assim é que
eles tiram da gente. O tomate, a banana, o arroz, que dava para fazer
uma boa feira com R$ 50, hoje não faz mais. Uma folhagem, que custava R$
1 há dez anos, hoje custa R$ 4”, reclama. Ela sente que, de um ano para
cá, o problema piorou.
No aniversário de 30 anos, o real
enfrenta o desafio de manter o poder de compra, num cenário de inflação
global crescente. “A inflação alta no pós-pandemia [de covid19] é
perfeitamente explicável e abrange todo o planeta. Tivemos problemas
sérios, de rompimento de cadeias produtivas, uma mudança geopolítica
mundial, com guerras regionais, e mudanças climáticas que pressionam
principalmente a oferta de alimentos”, explica a professora de economia
da Fundação Getulio Vargas (FGV) Virene Matesco.
Economista-chefe
da Way Investimentos e professor do Ibmec, Alexandre Espírito Santo diz
que a inflação pós-pandemia é complexa, que desafia os Bancos Centrais
em todo o mundo. “Tivemos um choque de oferta, com a quebra de cadeias
produtivas no mundo inteiro que ainda estão se recompondo. Além disso,
os bancos centrais injetaram muito dinheiro na economia global, dinheiro
que ainda está circulando. A inflação no pós-pandemia tem várias causas
e ainda vai durar muito tempo”, diz.
Salários
Outra
maneira de interpretar a inflação acumulada de 708,01% seria dizer que o
real perdeu 87,62% do valor em 30 anos. Isso, no entanto, não quer
dizer que a população tenha ficado mais pobre na mesma proporção. Isso
porque o poder de compra é definido não apenas pelo nível de preços, mas
também pela elevação dos salários.
“A inflação depende de muitos
fatores. No médio e no longo prazo, a economia se adapta às variações,
inclusive à alta recente do câmbio que estamos experimentando. Existe a
reposição dos salários e a interação do preço de um insumo com o
restante da cadeia produtiva”, diz o economista Leandro Horie, do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese).
Na prática, a reposição do poder de compra é
influenciada pelo crescimento econômico. Em momentos de expansão da
economia e de queda do desemprego, os trabalhadores têm mais poder para
negociar reajustes salariais. Segundo o Dieese, 77% das negociações
salariais resultaram em aumento real (acima da inflação) em 2023. Até
maio deste ano, o percentual subiu para 85,2%. Com os reajustes acima da
inflação, os preços se estabelecem num nível mais alto, sem a
possibilidade de retornarem aos níveis anteriores.
Novos instrumentos
Em
relação à inflação no pós-pandemia, o economista do Dieese concorda com
a complexidade do problema e diz que os instrumentos atuais de política
monetária, como juros altos, têm sido insuficientes para segurar o
aumento de preços. Isso porque a inflação não decorre apenas de excesso
de demanda, mas de choques externos sobre a economia, como tragédias
climáticas e tensões geopolíticas.
“No regime atual de metas de
inflação, o Banco Central atua como se a inflação fosse meramente de
demanda e elevando juros para reprimir a demanda interna. Só que a
inflação, principalmente nos tempos atuais, é de uma natureza de choque
de oferta, que a gente chama. A grande questão que tem de ser colocada,
em nível global, é que outras formas os governos podem usar para segurar
os preços, até porque a inflação envolve centenas de itens”, diz Horie.
Perspectivas
Em
2024, a inflação começou o ano em desaceleração. O IPCA, que acumulava
4,51% nos 12 meses terminados em janeiro, caiu para 3,69% nos 12 meses
terminados em abril. O índice, no entanto, acelerou para 3,93% nos 12
meses terminados em maio, por causa do impacto das enchentes no Rio
Grande do Sul e da seca na região central do país. Para os próximos
meses, a previsão é de novas altas, com alguns preços influenciados pela
recente alta do dólar.
*Com Agência Brasil