A Arquidiocese de Maceió entrou com uma ação na Justiça estadual, no
dia 22 de abril, cobrando explicações sobre o uso de R$ 3,1 milhões
destinados a projetos sociais voltados a dependentes químicos e pessoas
em situação de rua. A medida judicial foi encaminhada à 6ª Vara Cívil da
capital alagoana e está sob a relatoria do juiz Ney Costa Alcântara de
Oliveira.
O processo tem como alvos o tesoureiro da Fundação
Recriar, padre Walfran Fonseca, e o conselheiro fiscal, Ronnie Rayner
Teixeira Mota, que atualmente ocupa o cargo de secretário executivo do
prefeito JHC. A Fundação Recriar, ligada à Rede Cristã de Acolhimento e
Recuperação do Dependente Químico do Estado de Alagoas, funcionava no
mesmo endereço da Arquidiocese, na Avenida Dom Antônio Brandão, no
bairro do Farol, em Maceió.
De acordo com a ação, a Arquidiocese
solicita à Justiça que ambos prestem contas dos recursos que receberam e
informem como foram utilizados nos projetos sociais propostos. O valor
da causa é de R$ 3.120.000,00, quantia que a Igreja afirma ter sido
repassada, mas cujas destinações finais não foram esclarecidas.
Em
nota, a assessoria da Arquidiocese declarou que “a medida foi
necessária diante da ausência de informações e documentos relativos
àquela gestão, de forma que a ação visa, exclusivamente, assegurar que
sejam devidamente prestadas as contas correspondentes”. A Arquidiocese
reforça ainda que se trata de um procedimento jurídico que busca
garantir a lisura, o cuidado e a responsabilidade que devem nortear a
administração de qualquer entidade ligada à Igreja.
Comunidades
A
Fundação Recriar tem como missão a promoção de ações humanitárias para
pessoas em situação de vulnerabilidade social. Ela atuava como um
“guarda-chuva” para dez comunidades terapêuticas: Associação Divina
Misericórdia (Nova Jericó), Comunidade Evangélica Sarar, Casa Mãos de
Alagoas, Quebrando Correntes, Fazenda Esperança, Coração Misericordioso,
Comunidade Rosa Mística, Casa Betânia, Juvenópolis e Casa Dom Bosco.
Na
gestão do padre Walfran e de Ronnie Mota, a Recriar recebeu mais de R$ 3
milhões do governo federal, via Ministério do Desenvolvimento Social,
entre 2018 e 2024. A nova diretoria, nomeada pelo arcebispo Dom Beto
Breis após sua posse em março de 2024, não encontrou os documentos e
registros contábeis necessários para prestação de contas.
A
assessoria da Arquidiocese destaca que a ação judicial não acusa
diretamente os envolvidos de furto, mas visa garantir a devida prestação
de contas e esclarecer o destino das verbas públicas.
Dinheiro era para custos profissionais e formação de mão de obra
A Fundação Recriar firmou dez convênio com o Ministério do
Desenvolvimento Social. Seis desses ainda não tiveram suas contas
prestadas:
1) R$ 1 milhão – Cursos profissionalizantes de corte e
costura, instalação predial/ encanamento, marcenaria, padaria,
serigrafia e serralheria. O período de execução seria de 28 de dezembro
de 2018 a 31 de dezembro de 2023, com prestações de contas em 17 de
abril de 2024;
2) R$ 500 mil - Cursos profissionalizantes de
empreendedorismo, espanhol instrumental, inglês instrumental, marketing,
português instrumental e técnicas de vendas. O período de execução
seria de 19 de dezembro de 2019 a 19 de dezembro de 2020, com prestação
de contas em 24 de abril de 2024;
3) R$ 100 mil - Ministração de oficina de encanação, interpretação de texto, matemática básica, ortografia, padaria, redação e serigrafia, com data limite para a prestação de contas até 24 de abril de 2024;
4) R$ 720 mil - Ministração de oficina de corte e costura, encanação e instalação pre-dial, marcenaria, padaria, produção de doces, serigrafia e serralharia, com data limite para prestação de contas em 24 de abril de 2024;
5) R$ 600 mil - Realização de atividades de cursos
profissionalizantes visando a reintegração social de dependentes
químicos recuperados e continuidade no funcionamento administrativo da
instituição, com data limite para prestação de contas em 14 de abril de
2025;
6) R$ 200 mil - Realização de atividades de reinserção social de
dependentes químicos e dar continuidade no funcionamento administrativo
da instituição, com data limite para prestação de contas em 12 de junho
de 2024;
No total, a Recriar teria recebido R$ 3,120 milhões,
estando pendente ainda a prestação de contas referentes aos valores
relativos a pelo menos seis projetos da entidade, financiandos pelo
governo federal, segundo informação presente na ação.
Irregularidades foram registradas na gestão de Dom Antônio Muniz
Segundo
a ação, a falta de prestação de contas ocorreu durante a gestão de Dom
Antônio Muniz, que renunciou em 3 de abril de 2024. Após assumir o
comando da Arquidiocese, Dom Beto realizou uma ampla intervenção,
trocando toda a diretoria da Fundação Recriar, da Fundação Leobino e
Adelaide Motta, e remanejando os padres das paróquias.
Padre
Walfran foi afastado de todas as funções que ocupava, incluindo a
presidência da Associação Beneficente Paróquia de Santo Antônio. Ele
também responde a uma denúncia relacionada à prestação de contas de
quase R$ 14 milhões da associação que funcionava em Bebedouro e foi
transferida para a Santa Amélia por conta do afundamento do solo causado
pela mineração da Braskem.
Ele também responde a um processo por
crime ambiental. Ele é acusado de permitir a extração irregular de
areia no Sítio Bom Retiro, no Francês, terreno pertencente à Igreja
Católica. A extração só foi interrompida após decisão judicial em
janeiro deste ano, a pedido da Arquidiocese, já sob a gestão de Dom
Beto.
Nota da Arquidiocese
A Arquidiocese de Maceió informa que tramita na Justiça uma ação
relacionada à prestação de contas da gestão anterior do projeto Recriar.
A iniciativa tem como objetivo assegurar transparência e
responsabilidade na administração dos recursos repassados, em
conformidade com as diretrizes da Santa Sé, reafirmadas tanto pelo Papa
Francisco quanto, mais recentemente, pelo Papa Leão XIV.
A medida
judicial tornou-se necessária diante da ausência de documentos e
informações sobre a aplicação dos recursos na gestão anterior. O
processo não tem caráter acusatório, mas busca garantir que as contas
sejam devidamente apresentadas, conforme exige a boa prática de gestão e
os princípios que regem as entidades vinculadas à Igreja.
A Arquidiocese reitera seu compromisso com a verdade, a transparência e o serviço ao povo de Deus.
Sobre
a extração de areia no terreno pertencente à Igreja, a atual
administração da Fundação Leobino e Adelaide Mota determinou a imediata
suspensão da atividade, além da abertura de uma auditoria minuciosa para
apurar os contratos firmados anteriormente. O objetivo é esclarecer a
destinação dos recursos arrecadados e garantir que os valores tenham
sido utilizados para fins institucionais.
A suspensão foi
determinada pelo arcebispo Dom Carlos Alberto Breis Pereira, presidente
da fundação, e envolveu a rescisão do contrato com a empresa Mandacaru
Extração de Areia e Comércio de Materiais de Construção Ltda.,
atualmente em processo de revisão.