Filipe Martins, ex-assessor da Presidência da República para Assuntos
Internacionais, afirmou nesta quinta-feira (24) ter sido usado como bode
expiatório pelo tenente coronel Mauro Cid, delator de uma trama
golpista cujo objetivo seria manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no
poder mesmo após derrota eleitoral.
Em sua delação, Cid colocou
Martins, por exemplo, numa reunião com comandantes das Forças Armadas e
Bolsonaro, em 7 de dezembro, na qual Martins teria apresentado aos
presentes uma minuta de decreto golpista a ser assinada pelo
ex-presidente para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula
da Silva.
Em seu depoimento, que durou mais de quatro horas,
Martins apontou para pareceres da Polícia Federal (PF) e da
Procuradoria-Geral da República (PGR) que colocaram em dúvida a
credibilidade da delação de Cid, “chegando a dizer inclusive que havia
indícios de que ele poderia estar protegendo pessoas”, observou o
ex-assessor de Bolsonaro.
“E eu tenho a convicção de que ele
poderia também procurando bodes expiatórios, me colocando numa reunião
em que eu nunca estive”, acrescentou. “Somente com base na palavra dele
que se criou essa ideia de que eu teria redigido uma minuta de decreto
golpista”.
Martins foi interrogado nesta quinta como um dos seis
réus do núcleo 2 da trama golpista que teria atuado para manter
Bolsonaro no poder, conforme narra denúncia apresentada pela
Procuradoria-Geral da República (PGR).
Os seis réus estão sendo
ouvidos nesta quinta por videoconferência, em ordem alfabética. Os
depoimentos são transmitidos ao vivo nos canais do Supremo Tribunal
Federal (STF). A audiência é presidida pelo juiz auxiliar Rafael
Henrique Janela Tamai Rocha, que atua no gabinete do ministro Alexandre
de Moraes, relator do caso.
O núcleo 2 foi apontado pela PGR
como sendo composto por assessores de alto escalão que desempenharam
papel de gerenciamento de ações, como a redação de uma minuta de decreto
golpista ou o uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em prol dos
objetivos do complô.
Todos os réus respondem por cinco crimes:
Organização criminosa armada,
Golpe de Estado,
Tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito,
Dano qualificado,
Deterioração de patrimônio tombado
Somadas, as penas podem superar os 30 anos de cadeia.
O
interrogatório dos réus é uma das principais etapas do processo
criminal, em que os acusados têm a oportunidade de falar por contra
própria e realizar sua autodefesa das acusações.
Reunião e minuta
Martins
chegou a se desculpar aos presentes, ao alertar que desejava ser
demorado em sua defesa. Ele disse estar há dois anos sem poder dar
entrevistas ou se manifestar de forma pública sobre o caso, devido a
restrições impostas por Moraes.
“Estou sob censura há quase dois
anos, não posso conceder entrevistas, não posso me manifestar por redes
sociais, não posso ser filmado , não posso ser fotografado”, elencou.
“Ainda não tive a oportunidade de fazer isso que eu estou fazendo hoje.
Há muita coisa a ser dita”, disse.
Questionado pela procuradora
Gabriela Starling, que atua no gabinete do PGR, sobre o registro de sua
entrada no Palácio da Alvorada no mesmo horário da reunião do 7 de
dezembro, que foi confirmada pelos comandantes das Forcas Armadas à
época, Martins negou que tenha estado no local naquele horário.
Apresentando
documentos que disse ter obtido junto à Corregedoria-Geral da União
(CGU) sobre os registros de entrada no Alvorada, a defesa de Martins
negou que o registro sirva como prova de que o ex-assessor esteve no
local, apontando ainda para erros de grafia na anotação de seu nome.
Em
sua fala, Martins ressaltou que o general Freire Gomes, comandante do
Exército em dezembro de 2022, disse em depoimento como testemunha na
ação penal se recordar que o ex-assessor não estava na reunião de 7 de
dezembro com Bolsonaro.
Ele afirmou que a defesa obteve o vídeo
do depoimento à PF em que Freire Gomes menciona que “possivelmente”
Martins estava presente na ocasião. “‘Possivelmente’ indica dúvida,
incerteza. No entanto, a PGR, ao concretizar o texto da denúncia,
suprime a palavra ‘possivelmente’”, acusou o ex-assessor de Bolsonaro.
Prisão
Martins
disse acreditar que foi denunciado pela PGR, apesar da falta de provas
de sua participação na trama golpista, para justificar ele ter ficado
preso preventivamente por mais de seis meses sem justificativa.
O
ex-assessor ficou preso entre fevereiro e agosto do ano passado. A
prisão fora pedida pela Polícia Federal (PF), que apontou uma suposta
intenção de fuga após ter encontrado na nuvem de dados de Mauro Cid uma
lista de passageiros para o voo de 30 de dezembro de 2022 em que
Bolsonaro deixou o país rumo aos Estados Unidos.
Em depoimento
na ação penal, Cid negou que a lista fosse definitiva e disse que não
havia previsão de Martins embarcasse naquele voo. O embaixador André
Chermont, ex-chefe do cerimonial da Presidência da República, também
afirmou que Martins não constava da lista final de passageiros, tampouco
era esperado que embarcasse.
A defesa de Martins sustenta que a
PF agiu “seletivamente” para prender Martins, ignorando provas claras
de que o ex-assessor não deixou o país no fim de 2022.
Martins foi interrogado nesta quinta como um dos seis réus do núcleo 2
da trama golpista - Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
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