Em apenas dois anos, um projeto de reprodução de onças em um ecopark
de Alagoas alcançou um marco que enche de esperança pesquisadores e
ambientalistas: o nascimento de seis filhotes de onça em cativeiro.
Localizado
em Maragogi, no Litoral Norte do estado, o Ecopark Sol&Mar abriga
animais vindos de diferentes biomas brasileiros, todos resgatados ou
recebidos de instituições parceiras que atuam em rede para conservar a
espécie. O local é aberto à visitação.
A conquista não é pequena.
A onça-pintada, maior felino das Américas, perdeu quase metade de sua
população em ecossistemas como a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga.
O desaparecimento ocorre por causa do avanço humano sobre o habitat
natural, da caça ilegal e da redução significativa das presas de que
dependem para sobreviver.
“São animais ameaçados de extinção e com uma população reprodutiva pequena sob cuidados humanos”, explica Gabriel Gouveia, proprietário do ecopark.
Os seis filhotes nasceram de três ninhadas diferentes, sendo dois em cada ninhada, da mesma fêmea: a Kira, uma onça de três patas que chegou ao ecopark há alguns anos. Ela perdeu uma das patas em uma briga com outra onça antes de ser levada para lá, onde passou por um processo de reabilitação e não pode ser devolvida à natureza.
O primeiro nascimento registrado foi em novembro de 2023 e o mais recente, em outubro de 2024.
Para
garantir a reprodução em cativeiro, o projeto segue protocolos
rigorosos. O manejo considera o comportamento natural das onças, que são
solitárias: machos e fêmeas só ficam juntos no momento exato do cio da
fêmea, aumentando as chances de acasalamento.
A genética também é
cuidadosamente estudada, evitando cruzamentos entre animais de biomas
distintos. A rotina inclui recintos planejados para estimular
comportamentos naturais, alimentação balanceada e assistência
veterinária constante.
"No caso da Kira contamos com um parceiro
de Minas Gerais que nos enviou um macho de mesma origem que ela. Se
tratando de onças é sempre desafiador porque o processo de pareamento e
acasalamento é sempre incerto", explicou Felipe Coutinho, médico
veterinário responsável pelos animais.
Ele conta que não foi fácil.
"Foram algumas tentativas até termos o primeiro sucesso reprodutivo.
Durante o processo evidentemente pensamos que poderia não dar certo, a
busca pelo resultado nos leva a uma ansiedade, porém com muita paciência
e persistência repetimos até funcionar".
O resultado é mais do
que simbólico. Além de manter viva a linhagem dos pais, os filhotes
podem, futuramente, ser destinados a outras instituições de conservação
em todo o país. E ganha ainda mais relevância diante da realidade da
espécie, que já perdeu metade de sua população em biomas como cerrado,
mata atlântica e caatinga.
O local mantem uma equipe
multidisciplinar que fica responsável pelos animais. São veterinários,
biólogos e zootecnistas. O acompanhamento é feito de perto, para que
eles possam intervir em cada ocasião oportuna, assim a saúde e
desenvolvimento dos filhotes é garantida.
“A mãe não os amamentou, então todos foram criados de forma artificial. Por isso, no início, criam forte vínculo com quem os alimenta. Com o tempo, essa ligação diminui, e, quando atingem a maturidade, eles são preparados para formar novos casais e dar sequência ao ciclo de reprodução assistida”, disse Coutinho.
Por enquanto, não há previsão de soltura na natureza.
Segundo o ecopark, isso exige etapas complexas, como adaptação
comportamental, análises genéticas e avaliação de áreas seguras para
reintrodução.
"Dentro do próprio projeto de conservação, a gente
conta com instituições que conseguem fazer a soltura, inclusive isso já
aconteceu com outros animais nossos. A ideia é que através dessas
instituições a gente consiga fazer a soltura das onças na natureza",
explicou Gabriel.
Animais fazem parte de programas de conservação
O
ecopark em Maragogi é um dos empreendimentos de fauna que possui
licença ambiental em Alagoas. O espaço cumpre alguns requisitos
previstos pela legislação, sendo vistoriado pelo Instituto do Meio
Ambiente de Alagoas (IMA).
"Essa autorização busca promover o
funcionamento de forma legalizada, garantindo os parâmetros para atuar
no cuidado e promoção do bem-estar dos animais. Para funcionar, por
exemplo, devem possuir veterinário, biólogo e comprovar que é um
ambiente apto para receber esses animais”, esclarece o Gerente de Fauna e
Flora, Henrique Lessa.
O projeto não se limita às onças. O local
também participa de programas de conservação de outras espécies
ameaçadas. Segundo Gabriel, parte expressiva da receita do parque é
revertida para esses projetos, que sobrevivem quase sempre em meio à
escassez de recursos.
O próximo passo é ousado: ampliar o número
de casais reprodutores e consolidar o ecopark como referência nacional
em reprodução de grandes felinos. Mais do que números, a iniciativa quer
inspirar. “Queremos conscientizar cada vez mais pessoas da importância
desses trabalhos”, afirma Gabriel.
Entre recintos, câmeras de
monitoramento e olhares atentos, há espaço para emoção. “Sempre amei
animais, mas acompanhar de perto o nascimento e os primeiros passos
desses filhotes foi algo marcante, pessoal e profissionalmente. É um
privilégio colaborar de forma prática com a reprodução da onça-pintada
no Brasil”, comemora o médico veterinário.
