As canetas emagrecedoras viraram febre ao redor do mundo. O resultado
rápido proporcionado por estes medicamentos conquistou rapidamente o
público que tinha dificuldades para perder peso. Muitas vezes utilizado
sem prescrição, o tratamento para emagrecimento ainda é novo,
experimental e pouco acessível. Apesar de seu benefício claro, a falta
de informação acerca destes medicamentos tem levantado questionamentos
da comunidade científica: o que mais essas canetas provocam no corpo
além do emagrecimento?
Funcionamento
Conhecidas
por marcas como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, as canetas emagrecedoras
são injeções que imitam um hormônio liberado após a alimentação, chamado
GPL-1, o que ajuda a controlar o apetite e prolongar a sensação de
saciedade.
No Brasil, a dose mais baixa de Mounjaro está à venda
nas farmácias por cerca de R$ 1.400,00 (uma caneta com quatro doses).
Em um país onde o salário mínimo chega a R$ 1518,00, prolongar o
tratamento torna-se, muitas vezes, inviável. Outro fator é o
estabelecimento de metas para a perda de peso: o que acontece depois que
elas são atingidas? Quais os efeitos colaterais de suspender o
tratamento?
Depoimentos
Tanya Hall e
Ellen Ogley aderiram ao tratamento. Duas mulheres britânicas com
estilos de vida diferentes, mas unidas por um único objetivo, relataram a
experiência que tiveram ao tentar suspender o uso do medicamento.
“Foi
como se algo abrisse na minha mente e dissesse: ‘coma tudo, vá em
frente, você merece porque não come nada há muito tempo”, relata Tanya,
gerente de vendas de uma grande empresa fitness que começou a tomar
Wegovy. Acima do peso, se sentia uma impostora no setor em que
trabalhava e suspeitava que sua opinião não era respeitada devido à sua
forma física.
As suspeitas se provaram corretas depois do
tratamento. Depois de começar a tomar as injeções, as pessoas a
parabenizaram pela perda de peso e passaram a tratá-la com mais
respeito.
No entanto, relata Tanya, os primeiros meses de
tratamento não foram fáceis. Ela conta que teve dificuldades para
dormir, sentia-se enjoada o tempo inteiro, tinha dores de cabeça e até
começou a perder cabelo. Apesar de não estarem necessariamente
relacionados com o uso do medicamento, os efeitos colaterais podem ser
resultado da rápida perda de peso.
“Meu cabelo estava caindo em
tufos”, relembra. Mas em termos de peso, estava obtendo os resultados
esperados. “Eu tinha perdido cerca de 22kg”.

O que começou como um experimento se transformou em um novo
estilo de vida. Mais de um ano e meio depois de começar o tratamento,
Tanya perdeu 38kg e tentou parar de tomar o medicamento várias vezes,
mas, depois de cada tentativa, ela diz que come tanto que fica
“completamente horrorizada”.
Já Ellen Ogley começou a fazer o tratamento porque havia chegado a um
“momento crucial” em sua vida, no qual estava tão acima do peso que
precisou assinar um termo de responsabilidade declarando a possibilidade
de não sobreviver a uma cirurgia vital.
Foi então que Ellen começou a usar o Mounjaro, declarando ser a sua “última chance de acertar”.
“Eu
comia compulsivamente por motivos emocionais. Se estivesse feliz, comia
compulsivamente, Se eu estivesse triste, comia compulsivamente. Não
importava, eu não tinha filtro nenhum”, conta. Mas quando ela começou a
usar as injeções, “tudo isso desapareceu”.
Graças ao tratamento,
Ellen pôde estabelecer uma relação mais saudável com a comida. Ela
começou a pesquisar sobre nutrição e criou uma dieta saudável que
ajudasse a nutrir seu corpo. Depois de tomar a medicação por 16 semanas,
começou a reduzir a dose gradualmente, diminuindo ao longo de seis
semanas.
O resultado foram 22kg a menos e mais disposição para
se exercitar, paixão que descobriu ao estabelecer um novo padrão
alimentar. Ellen relata que, quando se sentia “para baixo”, em vez de
“ir até o armário e me entupir de comida”, ela saía para correr.

O problema, entretanto, começou ao suspender o uso do Mounjaro. Ellen
começou a ver seu peso aumentar e, segundo ela, “me deixou um pouco
confusa”.
Preocupações médicas
De acordo
com o clínico geral especializado em estilo de vida, Dr. Hussain
Al-Zubaidi, interromper o uso de medicamentos para emagrecer pode ser
como “pular de um penhasco”. Ele conta que o efeito é como ser atingido
por uma “avalanche ou um tsunami”: a vontade de comer volta já no dia
seguinte.
Segundo o Dr. Al-Zubaidi, as evidências sugerem que,
entre um e três anos após a interrupção da medicação, as pessoas
recuperam uma proporção significativa do peso perdido.
“Algo entre 60% e 80% do peso perdido retorna”, afirma.
Como
evitar esse reganho? Segundo o médico, o apoio adequado é essencial. O
órgão regulador de medicamentos do Reino Unido, NICE, recomendou que os
pacientes recebam pelo menos um ano de aconselhamento contínuo e planos
de ação personalizados após interromperem o tratamento, ajudando-os a
fazer mudanças práticas em suas vidas para que possam manter o peso e
permanecer saudáveis.
“Tudo se resume a uma estratégia de saída. A
questão é: quais são as experiências dessas pessoas depois que param de
usar a injeção?”, questiona o Dr. Al-Zubaidi.
Ele está preocupado que, sem esse apoio adicional, pouca coisa mudará.
“O
ambiente em que as pessoas vivem precisa ser um que promova saúde, não o
ganho de peso. A obesidade não é uma deficiência de GLP-1”, afirma.
Efeitos colaterais
Nos
últimos meses, o peso de Tanya permaneceu o mesmo, mas ela não vai
suspender a medicação, diz. A gerente finalmente chegou a um peso que se
sente confortável e, cada vez que tenta parar, o medo de recuperar tudo
rapidamente se torna muito grande e ela encontra motivos para retornar
ao uso da medicação.
“Durante os primeiros 38 anos da minha vida,
eu estive acima do peso - agora estou 38 kg mais magra. Há uma parte de
mim que sente que existe um vício que me faz continuar porque me faz
sentir do jeito que me sinto, me faz sentir no controle”, relata. Ela
está ciente dos prós e contras desta decisão.
Já Ellen sente que o Mounjaro é um capítulo encerrado. Ela já perdeu mais de 51kg.
“Quero que as pessoas saibam que a vida após o Mounjaro também pode ser sustentável”, afirma.
Pronunciamento
A
fabricante do Wegovy, Novo Nordisk, afirma que as decisões sobre o
tratamento devem ser tomadas em conjunto com um profissional de saúde e
que “os efeitos colaterais devem ser levados em consideração como parte
desse processo”.
Já a Eli Lilly, empresa fabricante do Mounjaro,
afirma que “a segurança do paciente é a principal prioridade da Lilly” e
que “se envolve ativamente” no monitoramento, avaliação e divulgação de
informações aos órgãos reguladores e prescritores.
*Com informações da BBC
