A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu que houve responsabilidade dos pilotos no acidente aéreo que causou a morte da cantora Marília Mendonça, de sua equipe e dos próprios pilotos. Em coletiva de imprensa na manhã desta quarta-feira (4/10), a corporação informou que restou evidenciada a prática de três homicídios culposos por parte do piloto Geraldo Martins de Medeiros e do copiloto da aeronave, Tarcísio Pessoa Viana, com extinção de punibilidade, em razão da morte dos responsáveis, e arquivamento do inquérito.
A coletiva
foi conduzida pelos delegados Gilmar Alves Ferreira, Ivan Lopes Sales e
Sávio Assis Machado Moraes, além do inspetor Whesley Adriano Lopes
Data, no município de Ipatinga. De acordo com o delegado regional de
Caratinga, Ivan Lopes Sales, houve negligência e imprudência por parte
da tripulação, que não cumpriu as instruções operacionais da aeronave.
“Diante
de todos esses cenários, os procedimentos operacionais da aeronave não
foram responsáveis. O manual de treinamento da aeronave estipula a
velocidade a ser feita na perna do vento, e o que ficou evidenciado é
que os pilotos ultrapassaram essa velocidade, desrespeitando o manual e
saindo da zona de proteção do aeródromo. Qualquer responsabilidade cabia
aos pilotos observar. Dessa forma, houve negligência e imprudência”,
afirmou ele.
Negligência dos pilotos
Ainda de acordo com o investigador, houve duas apurações conduzidas por diferentes órgãos: a PCMG e o Cenipa. Sales aponta que os inquéritos tinham objetivos distintos, já que a polícia analisa e aponta a materialidade de crime. Segundo ele, diversas situações foram descartadas até que se chegasse à conclusão final.
“O resultado
dessa investigação é com absoluto respeito a todos os familiares de
todos os envolvidos. Sabemos que foi um acidente, mas é uma missão da
PCMG apurar. A investigação transcorreu, em quase dois anos, na busca de
descartar várias possíveis causas do acidente, até que se chegasse à
causa fundamental da queda da aeronave. Precisávamos aguardar o laudo do
Cenipa para descartar qualquer problema na aeronave. O IML descartou
qualquer problema com os pilotos, por meio dos exames. Uma hipótese mais
absurda, de atentado contra a aeronave, também foi descartada”, disse
Sales.
O delegado acrescentou: “Então, à medida que as provas
foram sendo produzidas, caminhamos para uma negligência dos pilotos”,
disse o delegado.
Conforme o delegado regional Ivan Sales, o avião
se chocou com a torre; de fato, não havia sinalização, mas ela não era
obrigatória. “Os fatores externos poderiam ter prejudicado; no entanto, a
sinalização não era obrigatória. Os manuais de procedimento dessa
aeronave não foram analisados pelo piloto, era dever de quem comandava a
aeronave ter feito essa análise prévia. Havia documentos que
possibilitariam aos pilotos identificar essas torres, as linhas de
transmissão. A aeronave também dispunha de um equipamento que emite
sinais sonoros na proximidade de obstáculos, mas ele pode ser desligado
pelos pilotos; à medida que o avião se aproxima do solo, esse
equipamento emite avisos. A aeronáutica não conseguiu chegar a essa
conclusão em razão da deterioração da aeronave”, completou.
Conforme a explicação do delegado Sales, o piloto não havia pousado naquele aeroporto anteriormente.
Tomada de decisão
De
acordo com o delegado de polícia Sávio Assis, os pilotos não tomaram
ciência das cartas de orientação nem das consequências, tendo em vista a
experiência do piloto, com mais de 33 anos de carreira. “Devido a uma
consciência da situação, por ter pilotado aviões de grande porte,
visando conforto dos passageiros, ele alongou a perna do vento para
fazer um pouso mais suave, e foi uma tomada de decisão equivocada”,
aponta ele.
“Todo crime culposo é possível de ser evitado, já que há previsibilidade”, reforçou o delegado.
Ainda de acordo com os investigadores, não houve crime ambiental.
Relatório Cenipa
O
relatório final das investigações do acidente aéreo, registrado em
novembro de 2021, em Minas Gerais, foi divulgado pelo Centro de
Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), vinculado à
Força Aérea Brasileira (FAB), em maio deste ano.
Antes de o
laudo ser disponibilizado na íntegra pela FAB, o advogado da cantora,
Robson Cunha, disse, em coletiva de imprensa, que não houve falha
mecânica e humana. No entanto, o documento aponta, na página 62, que
pode ter havido, por parte do piloto, “avaliação inadequada acerca de
parâmetros da operação da aeronave, uma vez que a perna do vento foi
alongada em uma distância significativamente maior do que aquela
esperada”.
“Perna do vento” é a expressão utilizada para indicar
que a aeronave estava na trajetória de voo paralela à pista, no sentido
do pouso.
Ainda conforme a investigação da Aeronáutica, os cabos
da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) foram um obstáculo para o
avião.
O documento aponta que a aeronave manteve contato
integral, via rádio, com os órgãos de controle de tráfego aéreo, e que
não houve qualquer anormalidade técnica de equipamentos de comunicação
durante todo o voo.
“As comunicações do PT-ONJ com o Area Control
Center Brasília (ACC-BS – centro de controle de área de Brasília) foram
realizadas de maneira coordenada e clara”, indica o relatório.
Minuto a minuto
Segundo
as informações que constam no laudo, as gravações tiveram início às
17h49min25s, no momento em que houve transferência de setor.
Na sequência, o centro de controle aéreo orientou a aeronave a manter o voo e a informar quando estivesse pronta para descida.
Às
17h49min57s, a aeronave reportou que estava pronta para a descida. O
centro de controle autorizou a descida até o nível de voo e, abaixo
dessa altura, ficaria a critério da tripulação. O controle solicitou,
ainda, que fosse reportado quando estivesse em condições meteorológicas
visuais para mudança de regras do plano de voo.
Por volta das
17h56min59s, o controle aéreo informou à aeronave que o serviço de radar
estava encerrado e solicitou que reportasse as condições meteorológicas
visuais para modificação do plano.
Em seguida, o avião afirmou
que iria cruzar o nível de voo, informou que estava em condições visuais
e propôs o cancelamento do plano de voo por instrumentos.
No
último contato realizado com o centro de controle, este órgão confirmou o
cancelamento do plano de voo por instrumentos às 17h57min e informou
desconhecer tráfego que interferisse na descida da aeronave, liberando-a
da frequência daquele centro.
O acidente
Marília
Mendonça morreu em um acidente aéreo em 5 de novembro de 2021, aos 26
anos. A cantora, acompanhada do produtor Henrique Ribeiro e do tio
Abicieli Silveira Dias Filho, embarcou em um táxi aéreo em Goiânia com
destino a Caratinga, no interior de Minas Gerais, onde tinha um show
agendado.
O avião, um bimotor Beech Aircraft fabricado em 1984,
caiu na zona rural de Piedade de Caratinga, cidade vizinha ao destino,
poucos quilômetros antes do aeroporto onde faria o pouso.
Além da
cantora, também morreram Henrique Bahia, Abicieli Silveira Dias Filhos,
e o piloto e o copiloto do avião, Geraldo Martins Medeiros e Tarcísio
Pessoa Viana.