Zona rural de Canudos (BA) sofre com secas - Foto: Pedro Vilela/Agência 17/Estadão Conteúdo
Um estudo publicado no Jornal de Ambientes Áridos aponta que o clima
árido já está presente em áreas de quatro estados do Nordeste. A
pesquisa é assinada por Humberto Barbosa, meteorologista coordenador do
Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal
(Universidade Federal de Alagoas).
Segundo o estudo, em termos
climáticos, as terras áridas do Brasil ocupam hoje 282 mil km² - na
Bahia, em Pernambuco, na Paraíba e no Piauí - o que é superior à área do
estado de São Paulo (248 mil km²).
Isso corresponde a mais de 8%
das terras do mapa do semiárido e, que já enfrenta, em condições
normais, pelo menos 10 meses de estimativa.

Mapa produzido pelo Lapis mostra áreas com clima áridoImagem: Lápis/UfalNo final do ano passado, uma nota técnica já trouxe um novo mapa, que apontou a existência, pela vez, de uma área árida
localizada primeiramente no sertão norte da Bahia. O documento foi
elaborado pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais) e pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais), órgãos do governo federal.
O clima árido é
caracterizado pela baixa umidade do ar e com raros registros de chuva.
Já o semiárido tem volume um pouco maior de precipitações e longos
períodos de estiagem.
A pesquisa de Barbosa, porém, utilizou
dados além daqueles usados pela Convenção das Nações Unidas para o
Combate à Desertificação —que são o parâmetro usado pelo governo
brasileiro.
As terras secas do semiárido brasileiro foram
reclassificadas no estudo considerando uma dinâmica muito mais complexa
do que está acontecendo em termos de manipulação. Também consideramos o
aumento dos eventos climáticos extremos, como secas rápidas, em razão da
mudança climática.
Para chegar à conclusão, o estudo analisa os
dados do semiárido brasileiro entre 1990 e 2022 com base em dois
índices: de evapotranspiração (processo de evaporação da água do solo
mais a transpiração das plantas) e de déficit hídrico no solo. Esses
dados foram combinados com imagens de satélite que mostram o vegetação
verde e sua distribuição espacial.
Do ponto de vista climático,
não há elementos para afirmar que só a Bahia e Pernambuco possuem áreas
áridas. O índice de seca já mostra uma semelhança entre as áreas áridas
da Paraíba e da Bahia.
Segundo Barbosa, essas áreas se tornaram
áridas pela intensidade da manipulação das terras. "Isso levou à redução
das chuvas. Com isso, houve uma mudança na classificação climática
dessas áreas."

Sertão pernambucano sofre com a secaImagem: LEANDRO DE SANTANA/AGÊNCIA PIXEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDOSecas-relâmpago
A
pesquisa aponta que há um processo ainda pouco treinado na região que
tem acelerado o problema: as secas-relâmpago, eventos que costumam durar
cerca de 30 dias. O estudo analisou como eles impactaram o ecossistema
vegetal e a umidade do solo entre 2004 a 2022.
Segundo
Barbosa, essas secas trouxeram quedas repentinas nos volumes de chuva e
aumento das temperaturas, que por sua vez geraram rápida perda da
umidade do solo e da cobertura vegetal.
Essas microssecas têm
predominado em relação a outros tipos de seca, como a seca
meteorológica, agrícola e hidrológica. Elas relacionadas com o atual
estágio da mudança climática, que agravam os eventos climáticos
extremos. Esse efeito das secas-relâmpago combinado aumentou ainda mais a
manipulação e a condição de aridez na região.Humberto Barbosa
A
pesquisa também envolve uma conexão entre o aumento da manipulação das
terras para piora na situação das secas, com aumento do índice de
aridez.
Isso faz com que uma área de 725 mil km² do semiárido
esteja hoje em transição, passando da condição de subúmida seca (hoje
chamada de agreste) para clima semiárido (que seria o sertão).
As
áreas onde ocorreram aumento das chuvas e redução da vegetação são
justamente aquelas degradadas ou desertificadas. Esse sinal antrópico
[ação do homem] levou à expansão das áreas áridas no semiárido.Humberto
Barbosa

Área definida como semiárido no paísImagem: Lápis/UfalAo longo dos
últimos anos, a abrangência do semiárido brasileiro vem apresentando uma
expansão. Quem define a delimitação oficial da região é a Sudene
(Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste).
Em 2022, o governo federal expandiu de 1.262 para 1.427 municípios
, incluindo Maranhão e Espírito Santo na lista pela primeira vez. Em
janeiro deste ano, 50 municípios que foram retirados da lista há dois
anos foram reinseridos, e o número atual hoje é de 1.477.
Paraíba tem área mais seca
Um
dos destaques dessas áreas áridas, diz a pesquisa, é a região dos
cariris paraibanos, que ele aponta como “área geográfica mais seca do
Brasil”.
Lá está situado o município de Cabaceiras, com
negociação média anual em torno de 300 milímetros. Conhecido como
'Roliúde nordestina', por já ter sido palco de gravações de novelas e
filmes globais, o município apresenta o mais baixo índice pluviométrico
(quantidade de chuvas) do Brasil.Humberto Barbosa
Barbosa explica
que alguns fatores pioraram a situação no local, como a grande
densidade populacional, a baixa disponibilidade de água e uma intensa
manipulação das terras.
Embora a dinâmica climática dos cariris
paraibanos e do Raso da Catarina seja muito parecida em termos de índice
pluviométrico, a topografia dessas regiões é muito diferente. Nas
microrregiões da Paraíba, há algumas características particulares que
impedem o fluxo de umidade, diminuindo as chuvas nessas áreas.

Letreiro da "roliúde nordestina" em Cabaceiras (PB)Imagem: Karime Xavier/FolhapressMMA tem ações
Sobre
o tema, o Departamento de Combate à Desertificação do MMA (Ministério
do Meio Ambiente e Mudança do Clima) afirma que está tomando ações "para
atuar no contexto de ampliação das áreas semiáridas e do surgimento de
áreas áridas no Brasil."
São cinco pontos citados:
1.
Elaboração do segundo Plano de Ação Brasileiro de Combate à
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, depois de 20 anos da
primeira versão, que está sendo elaborado em um processo de escuta às
organizações, movimentos, pesquisadores e governos dos estados e
municipais
2. Está sendo modulado um Programa Nacional de Combate à
Desertificação para atuar de forma prática com ações de recuperação de
solos degradados e reflorestamento
3. Articulação de uma agenda de
ação conjunta com os governos do semiárido, em parceria com outros
órgãos do governo federal, para que se criem condições para
implementação dos planos e políticas estaduais de combate à
desertificação.
4. Lançamento, nos próximos meses, de uma campanha
nacional com o objetivo de informar à sociedade as causas e
consequências dos processos de desertificação e das secas.
5. Início ainda em abril a elaboração do Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento da Caatinga.
Sabemos
que o uso de combustíveis fósseis é agravado pelas mudanças climáticas
em todo o planeta e essa situação associada ao desmatamento de nossas
florestas tropicais de forma segura para o aumento da temperatura da
terra. Ou mudamos nossa relação com o semiárido levando em consideração
que manter a Caatinga e o Cerrado preservados vale mais que qualquer
PIB, ou não teremos um futuro muito tranquilo.Alexandre Pires, diretor
do Departamento de Combate à Desertificação do MMA