
Professores e orientadores educacionais avaliam como
positiva a possibilidade de o Ministério da Educação atuar para banir o
uso de celular nas escolas públicas e privadas do país. Prevista para
ser apresentada em outubro, essa e outras propostas podem ser adotadas
com o objetivo de conter os prejuízos do uso excessivo de telas na
infância e na adolescência.
Recentemente, o ministro da Educação,
Camilo Santana, defendeu essa ideia durante uma entrevista ao jornal
Folha de S.Paulo. Na oportunidade, ele citou algumas pesquisas indicando
que o uso dessas tecnologias, além de comprometer aprendizado e
desempenho dos alunos, impactaria também a saúde mental de professores.
Orientadora
educacional da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Marina
Rampazzo explica que profissionais que trabalham com educação têm
discutido muito esse assunto. “Nas conversas que temos com especialistas
de diversas áreas vemos vários prejuízos causados pelo excesso do uso
de telas, especialmente em crianças e adolescentes”, disse a pedagoga e
psicóloga à Agência Brasil.

“Muitos têm manifestado verdadeiras crises de abstinência
quando afastados de seus celulares", relatou a pedagoga e psicóloga
Marina Rampazzo - Arquivo/EBC
Pandemia
Ela lembra
que este já era um problema percebido antes da pandemia, mas que, na
sequência, se intensificou muito. Segundo ela, para dar conta de todas
demandas acumuladas, muitos pais e mães delegaram os cuidados de seus
filhos às telas.
“A pandemia deu um poder a mais para a tela. O
problema já existia, mas havia um controle maior sobre tempo, espaço,
conteúdo. Na medida em que entramos em uma pandemia e todos ficaram
trancados dentro de casa, famílias se viram sem outras ferramentas para o
jovem dentro de casa”, disse.
Ela acrescenta que não será fácil
reverter esse quadro, mas que a escola terá papel decisivo nesse
desafio. “Em primeiro lugar, pelo papel social que a escola representa,
pensando educação como algo integral que vai além de repassar conteúdos,
atuando também no campo cognitivo, desenvolvendo todos aspectos da
vida”, explicou.
De acordo com Marina, essa discussão perpassa a
escola porque a socialização é a forma mais eficiente para tirar o
estudante da tela. “É na escola que ele passa boa parte do seu tempo. Se
fora da escola eles ficam o tempo todo no celular, dentro da escola é a
oportunidade para eles se relacionarem com outras pessoas, com livros
de verdade e com atividades diversas de cultura, lazer e esporte”,
argumentou.
Comportamentos antissociais
Segundo a
orientadora educacional Margareth Nogueira, do colégio privado Arvense, o
uso excessivo de telas tem ampliado a antissociabilidade e o bullying
nas escolas. “Entre os 10 e os 12 anos é muito importante que os
estudantes usem o diálogo em seus três níveis de complexidade, que é o
pensar, o refletir e o de consistência, com razões e contraposições a um
tema”, explicou.

A exposição excessiva a telas tem ampliado a antissociabilidade e o bullying nas escolas. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
“Se
ele não consegue entrar nesse nível, com argumentos, contra-argumentos e
consensos, não há diálogo. O que vemos é que ouvir o outro tem sido,
para eles, algo cada vez mais complexo. É muito importante que eles
desenvolvam trocas, que se olhem olho no olho. Eles precisam de diálogo,
interatividade e de troca de opiniões”, acrescentou.
Segundo
ela, os celulares têm prejudicado também a visão dos estudantes. “Eles
estão usando óculos cada vez mais cedo por conta do uso excessivo dessas
telas”.
Vício
Outra preocupação dos educadores é com a relação viciante proporcionada pelos celulares em crianças e adolescentes.
“Muitos
têm manifestado verdadeiras crises de abstinência quando afastados de
seus celulares. Eles ficam mais agressivos, impacientes e intolerantes. É
cada vez mais comum casos de meninos quebrando a casa inteira quando
proibidos de usar o dispositivo”, relatou Marina Rampazzo.
Margareth
Nogueira percebe também que, devido a esse “vício tecnológico”, os
alunos têm chegado em sala mais agitados, impacientes e agressivos. “A
competitividade entre eles também está mais alta, reflexo dos estímulos
causados por jogos. A alimentação, a rotina e o sono estão cada vez mais
prejudicados. Isso reflete diretamente no funcionamento cerebral”,
disse.
“A verdade é que eles não têm maturidade nem resposta
cerebral para usar o celular de forma sistemática. E, para piorar, nem
sempre é possível que os adultos supervisionem de forma adequada o uso
desses aparelhos”, complementou.
Suporte às novas regras
Caso
se confirmem as medidas anunciadas pelo ministro, é importante que as
escolas garantam uma estrutura suficiente que deem acesso aos materiais
da internet considerados interessantes para uso em sala de aula. “Esse
acesso deve ser por meio de ferramentas da escola, como computadores,
por exemplo. Não pelos celulares dos estudantes. Todos sabemos como é
difícil ter controle sobre a forma como eles usarão esses dispositivos”,
argumentou Margareth.
Paralelamente, é importante que, em casa,
outros estímulos independentes de telas sejam proporcionados pelas
famílias “Áreas como arte, cultura, esporte e lazer podem ajudar, nesse
sentido. Especialmente quando voltados à socialização”, acrescentou
Marina.