Em audiência pública na Câmara dos Deputados, representantes do setor
elétrico divergiram nesta terça-feira (6) sobre o impacto da energia
injetada pela micro e mini geração distribuída nas redes elétricas das
distribuidoras. O foco do debate, realizado pela Comissão de
Desenvolvimento Econômico, foi o chamado fluxo reverso.
Tradicionalmente, a energia elétrica flui partindo da subestação,
passando pelas redes de distribuição (média e baixa tensão), até chegar
ao consumidor final. Com a geração distribuída, os consumidores passaram
a gerar sua própria energia (especialmente via solar) e a injetar o
excedente na rede. Esse excedente flui no sentido contrário (em direção à
subestação), caracterizando o fluxo reverso.
As
distribuidoras alegam que o fluxo reverso pode comprometer a
estabilidade e a segurança da rede, já que a infraestrutura atual, como
transformadores e sistemas de proteção, não foi dimensionada para o
volume atual injetado.
Gargalos
O presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia
Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, afirmou que o problema é técnico, e
não mercadológico, como alegam os representantes do segmento de geração
distribuída.
De acordo com ele, o setor não estava preparado
para o rápido crescimento da geração distribuída, que foi regulamentada
pela primeira vez em 2012. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), divulgados na audiência, mostram que são feitas oito novas
conexões à rede elétrica a cada minuto no país.
“Esses gargalos
existem. Eles precisam ser tratados com seriedade. Eles precisam ser
encarados”, disse Madureira. Ele defendeu a necessidade de uma solução
negociada, que envolva as distribuidoras, o segmento da geração
distribuída e os órgãos do sistema elétrico.
Dificuldade de acesso
A vice-presidente de geração distribuída da Associação
Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Bárbara Rubim,
afirmou que as distribuidoras vêm usando o argumento do fluxo reverso
para negar o acesso à rede elétrica de consumidores que desejam instalar
painéis solares. Em muitos casos, usando a própria resolução da Aneel
que buscou resolver a questão (RN 1.098/24).
A resolução
traz três cenários onde fica afastada a análise de inversão de fluxo,
permitindo a instalação dos painéis. Por exemplo, quando o consumidor
absorve toda a energia gerada. “Qualquer configuração de geração própria
de energia que fuja a essas três hipóteses, passou a ser negada pela
distribuidora”, disse Rubim.
Ela lamentou ainda que, três anos após a aprovação do marco legal da geração distribuída (Lei 14.300/22), as distribuidoras continuem dificultando o direito de acesso dos consumidores à rede elétrica.
Limite
Também presente ao debate, o gerente executivo do Planejamento
Elétrico do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Fernando Silva,
afirmou que o fluxo reverso não é um problema sistêmico e pode ser
resolvido, mas há lugares onde ele está no limite. “Existem estados que
são mais suscetíveis a ter problemas de sobrecarga em condição normal ou
em contingência”, disse.
Um relatório do ONS tornado público em
fevereiro informou que o fluxo reverso pode sobrecarregar o sistema
elétrico em nove estados brasileiros (Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais,
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e
Rondônia).
Solução negociada
O
deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), que propôs a audiência
pública, afirmou que a Aneel vem adotando normativos que dificultam o
acesso dos pequenos produtores de energia à rede elétrica. Na avaliação
do parlamentar, há um “delírio regulatório” em algumas das resoluções do
órgão regulador.
Andrada também defendeu uma solução
negociada para o impasse entre o segmento de geração distribuída e as
distribuidoras. “Temos que fazer, na minha opinião, o famoso jogo do
ganha-ganha. É dar as mãos, encontrarmos soluções positivas, que sejam
boas para o país, boas para o consumidor, boas para o empreendedor, que
não prejudica a distribuidora e essas soluções existem”, disse.
Atualmente, o segmento de micro e mini geração distribuída possui
uma capacidade instalada de 39 gigawatts (gW), o que equivale à energia
gerada por quase três Itaipus. São 3,5 milhões de unidades consumidoras
que geram a sua própria energia.
Agência Câmara - Foto: Reprodução