O pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal),
Alan Pedro, apresentou na Universidade de Oxford, Inglaterra, resultados
preliminares de uma pesquisa inovadora sobre o Programa Nacional do
Livro e do Material Didático (PNLD) do Brasil. Utilizando inteligência
artificial, o estudo revela profundas desigualdades estruturais na
representação de gênero e raça em 102 livros didáticos do ensino médio.
Alan
é um dos fundadores do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais
(Nees) da Ufal e pesquisador visitante da Universidade de Oxford, além
de integrar um programa da Fundação Lemann que gera e dissemina
conhecimento para aprimorar o setor público. A pesquisa sobre o PNLD
está sendo realizada com Filipe Recch, também pesquisador do Nees.
Um
dos achados do estudo é que, apesar de marcos legais que promovem
equidade e inclusão, mais de 60% das referências nos livros didáticos
analisados são a homens e quase 60% a indivíduos brancos, o que revela
descompasso entre a política nacional e a prática educacional.
A pesquisa
O
PNLD fornece livros a mais de 180 mil escolas públicas, impactando mais
de 37 milhões de estudantes em todo o Brasil. A partir da análise de
mais de 80 mil ocorrências textuais, em 102 livros de diferentes
disciplinas, os pesquisadores utilizaram técnicas de Processamento de
Linguagem Natural (PLN) e Análise Crítica do Discurso (ACD) para
verificar se os conteúdos estão, de fato, alinhados às diretrizes da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do Plano Plurianual (PPA) e das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais.
A análise revelou que 60% das referências nos
livros são destinadas a personagens masculinos, enquanto as personagens
femininas aparecem em apenas 40% dos casos. Além disso, as mulheres são
majoritariamente associadas a papéis de cuidado, emoção e ações
passivas, reforçando estereótipos de gênero em vez de desconstruí-los.
No
quesito racial, o cenário é ainda mais preocupante. Os livros trazem
59,5% de representação branca, contra 17,6% de personagens negras e
apenas 2,5% indígenas. Mulheres negras e indígenas são praticamente
invisíveis nas narrativas. Mais grave ainda, verbos que indicam poder,
como “liderar” e “decidir”, estão majoritariamente associados a homens
brancos, enquanto expressões ligadas ao sofrimento, como “suportar” e
“sofrer”, recaem sobre mulheres e minorias raciais.
O estudo
propõe que as próximas edições do programa adotem critérios editoriais
mais objetivos, priorizando conteúdos que valorizem a diversidade e
promovam uma educação antirracista e inclusiva. Além disso, recomenda o
uso da inteligência artificial como aliada no processo de avaliação dos
materiais, tornando possível identificar e corrigir, de forma mais
rápida e eficiente, os vieses presentes nas publicações.
A
pesquisa também aponta para a necessidade de realizar análises de
impacto social dos livros didáticos ao longo das últimas duas décadas.
Para isso, os pesquisadores estão desenvolvendo um método computacional
universal, que será compartilhado com a comunidade científica
internacional, e planejam ampliar o estudo para comparações com outros
países.
“A educação tem um papel decisivo na transformação
social. Os livros didáticos podem tanto reproduzir desigualdades como
ser instrumentos potentes para desconstruí-las”, resumiu Alan Pedro.
O Nees
Na
apresentação realizada na Universidade de Oxford, antes de relatar
dados da pesquisa, Alan Pedro apresentou dados sobre a atuação do Nees.
Destacou que o núcleo, sediado em Alagoas, mas com pesquisadores
espalhados em todo o Brasil e em diversos países, colabora com
importantes políticas públicas, como o citado PNLD e o Pé-de-Meia, que
concede auxílio financeiro para alunos do ensino médio da rede pública
permanecerem na escola. Alan ressaltou ainda a atuação do Nees na
reforma educacional de El Salvador, país da América Central.
Na
apresentação, ele mostrou que o Nees já desenhou e colaborou com a
implementação de mais de 15 políticas educacionais, oferecendo soluções
de código aberto e fortalecendo a capacidade local para garantir a
sustentabilidade operacional. Enfatizou ainda que o núcleo é líder no
desenvolvimento de soluções de IA em contextos com recursos limitados.
O
Nees já atuou em mais de 2.600 municípios de 25 estados no Brasil,
beneficiando mais de 37 milhões de estudantes por meio das políticas
implementadas em parceria com o Ministério da Educação (MEC).
Professor Alan Pedro apresentou resultados de estudo sobre PNLD - Foto: Divulgação