A inteligência artificial generativa (GenAI, na sigla em inglês) deve impactar 31,3 milhões de empregos no Brasil e afetar ao menos 13 áreas profissionais, que representam 5,538 milhões de trabalhadores, segundo análise da consultoria LCA 4intelligence feita com base em estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
De acordo com o levantamento, 5,4% dos trabalhadores brasileiros
estão hoje em ocupações com alto nível de exposição a esse tipo de
tecnologia, como o ChatGPT, e podem ter suas funções quase que
totalmente automatizadas, impactando o número de contratações. O
percentual representa um aumento de 4,3% em comparação a estudo de 2012.
A
lista inclui profissões como analista financeiro, agente e corretor de
Bolsas de valores, desenvolvedor de páginas na internet, vendedor por
telefone, entre outras.
O grau de impacto na função é medido pelo
nível de exposição. Quanto maior esse nível, chegando ao 4, mais a
profissão deverá ser impactada pela inteligência artificial.
Os
dados da OIT adaptados para o mercado de trabalho do Brasil pela LCA
apontam que a proporção de trabalhadores brasileiros com algum tipo de
exposição à IA subiu de 26,8%, em 2012, para 30,5%, em 2025.
A
análise da LCA aponta, no entanto, que embora essas profissões sejam
altamente impactadas, ainda haverá a necessidade de intervenção humana,
fazendo com que haja uma transformação dos empregos e não uma extinção
das funções, como ocorreu em outros momentos de transformação do mercado
de trabalho no Brasil e no mundo.
Segundo Bruno Imaizumi, autor
do estudo da LCA, o que ocorrerá é uma "reestruturação de tarefas dentro
das ocupações, com a IA assumindo partes rotineiras, liberando tempo
para atividades mais complexas e criativas". Ele vê a possibilidade de
ganhos de produtividade para esses trabalhadores.
Luís Guedes,
professor da FIA Business School, ressalta ainda que o conceito de
"impacto" sobre as profissões é amplo e requer uma análise cuidadosa.
"Se no início do século 20 alguém perguntasse quem seria afetado pela
eletricidade, a resposta provavelmente seria 'todos'", diz. De forma
semelhante, a inteligência artificial deve transformar quase todas as
ocupações, mas isso não implica a extinção dessas funções.
O
professor aponta também que o processo de transição é uma questão social
em que os trabalhadores com menor escolaridade são os mais vulneráveis.
Assim, de acordo com Guedes, a requalificação é uma responsabilidade da
sociedade e do Estado.
O professor diz que as pequenas e médias
empresas, por exemplo, devem contar com incentivos e formação técnica
para acompanhar as mudanças tecnológicas e, consequentemente, manter e
adaptar grande parte do trabalhadores brasileiros.
A pesquisa da
LCA aponta que embora países como o Brasil sejam impactados pela GenAI,
as mais afetadas serão nações com alta renda, que concentram
trabalhadores mais qualificados.
"A maior exposição dos países de
renda elevada à IA generativa está relacionada a uma combinação de
fatores: maior digitalização, infraestrutura tecnológica, qualificação
dos trabalhadores, urbanização, presença de setores intensivos em
informação e tecnologia", afirma Imaizumi.
Veja as 12 profissões mais impactadas pela IA generativa
Escriturários gerais
Analistas financeiros
Desenvolvedores de páginas de internet (web) e multimídia
Agentes e corretores de Bolsa, câmbio e outros serviços financeiros
Agentes de empréstimos e financiamento
Operadores de máquinas de processamento de texto e mecanógrafos
Operadores de entrada de dados Trabalhadores de contabilidade e cálculo de custos
Trabalhadores de serviços estatísticos, financeiros e de seguros
Trabalhadores encarregados de folha de pagamento Trabalhadores do serviço de pessoal
Trabalhadores de apoio administrativo em geral
Vendedores por telefone
Guedes
aponta, no entanto, que o avanço da tecnologia não deve ser encarado
apenas como uma ameaça, pois é esperado que surjam novos cargos
diretamente ligados à inteligência artificial. Além disso, a
reestruturação do mercado deve abrir espaço para novas especializações e
perfis profissionais.
O uso da inteligência artificial e a
mudança nas profissões já estão impactando o dia a dia dos trabalhadores
–especialmente os mais jovens– com a diminuição de ofertas de emprego e
o consequente empobrecimento dessa população, em especial no Sul
global.
Relatório apresentado na Conferência Global de Mercado de
Trabalho realizada em janeiro deste ano em Riad, na Arábia Saudita,
aponta que, os países do Sul global, 6 em cada 10 jovens entre 15 e 24
anos estão na informalidade, em média. Nas nações mais pobres, são 8 a
cada 10.
Em 2023, havia 1,1 bilhão de jovens nesta faixa etária e
a projeção para 2033 é que o Sul global abrigue 1,2 bilhão de jovens,
dos quais somente 420 milhões terão empregos, a maioria precários.
No
relatório da OIT adaptado pela LCA para o Brasil, os jovens de 14 a 17
anos ocupam o terceiro grupo mais vulnerável a ser atingido pela IA
generativa. Ao menos 12,8% dos trabalhadores nesta faixa etária estão no
gradiente 4, refletindo a maior presença de jovens em funções
administrativas e operacionais.
As mulheres são outro grupo
afetado. Segundo a consultoria LCA, no Brasil, 7,8% das mulheres estão
em profissões no gradiente 4, proporção que é mais do que o dobro da
masculina (3,6%).
Isso se explica pelo fato de que há
concentração de mulheres em ocupações administrativas, em escritórios e
no atendimento ao cliente. O mesmo impacto está estimado para quem tem
ensino superior incompleto ou apenas o ensino médio. Esse público
representa 13,9% dos que serão afetados.
A pesquisa revela que o
setor público, por concentrar o maior número de cargos administrativos,
apresenta funções mais suscetíveis à automação e, consequentemente, mais
fáceis de serem substituídas pela inteligência artificial. Nesse
contexto, para o professor da FIA Bussiness School, a adoção da IA no
serviço público surge como uma oportunidade para promover transformações
significativas, especialmente em áreas com maior potencial de
automação.
Segundo Guedes, a IA deve atuar como um copiloto dos
agentes públicos, auxiliando-os na tomada de decisões mais eficazes e na
redução da burocracia que consome grande parte do seu tempo. Dessa
forma, a tecnologia pode contribuir para tornar o trabalho público mais
eficiente.
Além disso, o especialista destaca que a IA deve ser
utilizada para "tratar de maneira desigual os desiguais", ou seja, para
direcionar esforços e recursos na atenção às demandas daqueles que mais
necessitam.
O professor também reforça a importância do
letramento em IA como uma prioridade para empresas e governos. Programas
de capacitação são fundamentais para que servidores e cidadãos
compreendam o funcionamento da tecnologia, seus limites, riscos éticos e
desafios de segurança da informação.
A IA generativa afeta ainda
quem tem carteira assinada. Ao menos 13,2% desses profissionais no
Brasil se encontram no cenário de maior exposição. O setor público,
especialmente órgãos e secretarias, também deve ter alto impacto, pois
possui alta concentração de funções administrativas e de processamento
de informações.
O estudo mostra ainda que à medida que a idade
avança, o percentual de trabalhadores em ocupações pouco expostas à
GenAI cresce. Quase 60% dos trabalhadores com 50 anos ou mais não devem
ser afetados pela automação, padrão que se explica pelo fato de os mais
experientes ocuparem cargos menos rotineiros.
Para adaptar o
estudo da OIT à realidade brasileira, a LCA 4intelligence utilizou
microdados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua Trimestral Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística).
Foram consideradas 435 ocupações
presentes no Brasil, classificadas de acordo com o nível de exposição
definido pela OIT, e analisada a probabilidade de influência da IA
dentro de cada ocupação.